segunda-feira, 15 de junho de 2020

O TRISTE OLHAR DO CARAMBOLO



A. J. de O. Monteiro

                Invariavelmente, o primeiro bom dia recebo da Shayenne (o nome não foi escolhido por mim), uma pacata e indolente gatinha da raça himalaia, nossa hóspede há uns seis ou sete anos. Tão logo saio do quarto ouço seu miado ao qual respondo com outro e assim, enquanto me movimento entre a sala e a cozinha, preparando meu café ela me segue emitindo miados em vários tons, intensidades e extensões e eu respondendo da mesma forma. Sinceramente não entendo nada de suas “falas”, mas acredito que ela entenda minhas “respostas”, pois continua miando e me seguindo, parando apenas quando sento à mesa e ela vai para sua tigela de ração. Fazemos nosso repasto matinal juntos, mas em silêncio, apenas nos olhamos vez ou outra.
                Como já estou habituado a esse ritual de todas as manhãs, estranhei muito não ter sido saudado pela bichana naquela manhã de domingo quando sai do quarto. Estranhei, mas segui com minha rotina matinal, sem maiores preocupações até que em certo momento olhei pros lados da saída lateral da casa e a vi parada, concentrada em alguma coisa. De repente dá um salto, retrocede um pouco; para por alguns segundos, salta pra frente  retomando a postura inicial. Quando isso – saltar, afastar-se e voltar – se repetiu pela terceira vez decidi verificar o que se passava. Aproximei-me cautelosamente e vi que ela tinha como presa um carambolo (pronuncia-se carambôlo)   pequeno lagarto muito comum nos jardins e quintais de Teresina e só aqui tem essa denominação. Pareceu-me que o réptil já estava esgotado: tentava se mover e ela punha as patas sobre ele e quando ele tentava se livrar, estrebuchando, ela saltava, recuava um pouco e quando o bicho tentava fugir ela o prendia novamente sob as patas.

                Por diversas vezes já deparei, pelo quintal e jardim da casa, com bichos dessa espécie e até filhotes de rolinha – pomba também muito comum aqui –  provavelmente caídos dos ninhos (os filhotes), mortos, mas sem ferimentos. Imaginava ser ação dela exercitando sua natureza felina. Mas nunca a tinha visto em ação. Fiquei quieto, observando, até ela perceber minha presença e voltar os olhos pra mim e vi naquele olhar uma expressão de sadismo... Seus olhos brilhavam como imagino brilharem os olhos de um torturador dos porões no nefasto exercício de seu mister. Aí então, tolamente, resolvi intervir e peguei o lagarto pelo rabo e o coloquei em um lugar inatingível para ela, na intenção que recuperasse suas forças e seguisse vivendo até outro descuido. Mas uma coisa me marcou naquela ação: é que quando peguei o lagarto pensei ver nos seus olhinhos uma expressão de pavor e tristeza.
                Terminado o café, fui cuidar de outros afazeres e a shayenne foi para seu canto dormir. Mas o dia não transcorreu como transcorrem meus domingos. Vez ou outra me vinha à mente o olhar triste e assustado do carambolo e isso me perturbava. Reprimia-me afirmando: ora, um carambolo é apenas um animal da base da escala natural, incapaz, portanto, de exprimir sentimentos.
                Bom, mas era domingo e domingo é dia de cerveja e devaneio. No entanto, em meio aos goles e devaneios a imagem do olhar do pequeno sauro retornava e eu reagia com o raciocínio lógico da escala natural. E nessa refrega entre o racional e o irracional, de repente lembrei do Padre Jesuíta Teilhard de Chardin, cientista (paleontólogo), filósofo e teólogo, que no livro “O Fenômeno Humano” defende a teoria evolucionista de que todo ser vivo, mesmo aquele organismo mais primitivo não se encontra em um estágio de inconsciência total. Ele possui  um certo grau de consciência. Por essa teoria, Teilhard de Chardin ganhou o apelido de “Le Enfant Terrible”, e um exílio obsequioso na China e eu, que não tenho conhecimentos científicos, filosóficos ou teológicos para sustentar um debate sobre essa teoria, vou parando por aqui e apagar o triste olhar do carambolo com o auxílio dos vapores alcóolicos.        

4 comentários:

Simone LM disse...

Estou agora com reais sentimentos pelo Carambolo, me recordando do dia que uma pequenina aranha, dessas inofensivas, estava a pairar sob minha cama e eu a deixei me fazer Cia, agradecendo a ela por me livrar de alguns mosquitos chatos, que por sinal, também devem sofrer ao serem comidos... Nossa pai, agora bateu o reflitão... Risos.

Antonio José de Oliveira Monteiro disse...

Só sei que foi assim...

manoel andante disse...

kkkkkkkkkkkkkkkk

manoel andante disse...

Carambolo. carambola, caramba, que cara confuso