A. J. de O. Monteiro
Invariavelmente,
o primeiro bom dia recebo da Shayenne (o nome não foi escolhido por mim), uma
pacata e indolente gatinha da raça himalaia, nossa hóspede há uns seis ou sete
anos. Tão logo saio do quarto ouço seu miado ao qual respondo com outro e assim,
enquanto me movimento entre a sala e a cozinha, preparando meu café ela me
segue emitindo miados em vários tons, intensidades e extensões e eu respondendo
da mesma forma. Sinceramente não entendo nada de suas “falas”, mas acredito que
ela entenda minhas “respostas”, pois continua miando e me seguindo, parando
apenas quando sento à mesa e ela vai para sua tigela de ração. Fazemos nosso
repasto matinal juntos, mas em silêncio, apenas nos olhamos vez ou outra.
Como
já estou habituado a esse ritual de todas as manhãs, estranhei muito não ter
sido saudado pela bichana naquela manhã de domingo quando sai do quarto.
Estranhei, mas segui com minha rotina matinal, sem maiores preocupações até que
em certo momento olhei pros lados da saída lateral da casa e a vi parada,
concentrada em alguma coisa. De repente dá um salto, retrocede um pouco; para
por alguns segundos, salta pra frente
retomando a postura inicial. Quando isso – saltar, afastar-se e voltar –
se repetiu pela terceira vez decidi verificar o que se passava. Aproximei-me
cautelosamente e vi que ela tinha como presa um carambolo (pronuncia-se carambôlo)
– pequeno lagarto muito comum nos jardins e
quintais de Teresina e só aqui tem essa denominação. Pareceu-me que o réptil já
estava esgotado: tentava se mover e ela punha as patas sobre ele e quando ele
tentava se livrar, estrebuchando, ela saltava, recuava um pouco e quando o
bicho tentava fugir ela o prendia novamente sob as patas.
Por
diversas vezes já deparei, pelo quintal e jardim da casa, com bichos dessa
espécie e até filhotes de rolinha – pomba também muito comum aqui – provavelmente caídos dos ninhos (os filhotes),
mortos, mas sem ferimentos. Imaginava ser ação dela exercitando sua natureza
felina. Mas nunca a tinha visto em ação. Fiquei quieto, observando, até ela
perceber minha presença e voltar os olhos pra mim e vi naquele olhar uma
expressão de sadismo... Seus olhos brilhavam como imagino brilharem os olhos de
um torturador dos porões no nefasto exercício de seu mister. Aí então,
tolamente, resolvi intervir e peguei o lagarto pelo rabo e o coloquei em um
lugar inatingível para ela, na intenção que recuperasse suas forças e seguisse
vivendo até outro descuido. Mas uma coisa me marcou naquela ação: é que quando
peguei o lagarto pensei ver nos seus olhinhos uma expressão de pavor e
tristeza.
Terminado
o café, fui cuidar de outros afazeres e a shayenne foi para seu canto dormir. Mas
o dia não transcorreu como transcorrem meus domingos. Vez ou outra me vinha à
mente o olhar triste e assustado do carambolo e isso me perturbava. Reprimia-me
afirmando: ora, um carambolo é apenas um animal da base da escala natural,
incapaz, portanto, de exprimir sentimentos.
Bom,
mas era domingo e domingo é dia de cerveja e devaneio. No entanto, em meio aos
goles e devaneios a imagem do olhar do pequeno sauro retornava e eu reagia com
o raciocínio lógico da escala natural. E nessa refrega entre o racional e o
irracional, de repente lembrei do Padre Jesuíta Teilhard de Chardin, cientista
(paleontólogo), filósofo e teólogo, que no livro “O Fenômeno Humano” defende a
teoria evolucionista de que todo ser vivo, mesmo aquele organismo mais
primitivo não se encontra em um estágio de inconsciência total. Ele possui um certo grau de consciência. Por essa teoria, Teilhard de Chardin
ganhou o apelido de “Le Enfant Terrible”, e um exílio obsequioso na China e eu,
que não tenho conhecimentos científicos, filosóficos ou teológicos para
sustentar um debate sobre essa teoria, vou parando por aqui e apagar o triste
olhar do carambolo com o auxílio dos vapores alcóolicos.
4 comentários:
Estou agora com reais sentimentos pelo Carambolo, me recordando do dia que uma pequenina aranha, dessas inofensivas, estava a pairar sob minha cama e eu a deixei me fazer Cia, agradecendo a ela por me livrar de alguns mosquitos chatos, que por sinal, também devem sofrer ao serem comidos... Nossa pai, agora bateu o reflitão... Risos.
Só sei que foi assim...
kkkkkkkkkkkkkkkk
Carambolo. carambola, caramba, que cara confuso
Postar um comentário