Marcelo D'Alencourt
Olho aqui pela janela do meu ape
e vejo, volta e meia, revoadas de pombos. São vários. Inúmeros. Sobem, descem, giram e continuam o belo balé
até cansar. Aí estacionam em alguma cobertura e ali permanecem recuperando o
gás pra seguir a apresentação. Confesso que não sou muito fã da ave. Fico aqui
pensando em como, nós humanos, somos parecidos com eles. Viajamos nesse vida
com inúmeros conhecidos mais ou menos próximos, onde buscamos confiança e
presença pra realizar nossas acrobacias grupais. Acho que é uma forma de compensar nossa acachapante
solidão. Suspeito que os pombos sejam
bem mais felizes intuitivamente, afinal
de contas, como os outros irracionais, não sabem do fim, comum a todos...Penso
na coragem humana em seguir adiante mesmo sabendo do epílogo da história. Opa,
perai, vejo um pombo a menos na revoada. Achei ele. Não voltou ao balé. Parece cansado. Se arrasta na marquise do
prédio onde pararam há pouco. Fica pra trás e, do seu jeito, clama por socorro
que não vem. Os outros? Foram, faz tempo. Ele respira ofegante, caminha, ensaia
algumas tentativas de voo não correspondidas. Desiste. Procura água ou comida
pra ré energizar. Não acha. Pensa nos antigos companheiros que o abandonaram
e que já não estão mais ali. Não
desiste. Tenta um último e decidido voo no abismo que não acontece. Ele
descobre que não consegue mais voar. Resta lutar na cobertura daquele prédio
pela sobrevivência que será bem difícil, a cada instante. Como isso tudo
aconteceu?!? Ele tinha acordado bem hoje. Que coisa o destino. Caminha agora
com muitas dificuldades até um lugar coberto onde ali permanece aterrorizado
pela situação. Fica de costas pra parede
pra se proteger. Começa a chover muito forte. Ele fica quietinho, sem se mexer.
A fome é intensa. Cresce o desespero e o pânico sem fim. Até quando
aguentará? Nova tentativa de alçar
antigos voos? Melhor não. Ele sabe que não dá. Sorte, amigo, você vai precisar e de muita. Acabei mudando
o foco e voltei pro apartamento pra tocar a vida. Esqueci o pombo. Foquei nos
voos q precisava dar. No dia seguinte, olho pro céu e...nova revoada. Lembrei
imediatamente dele e o procurei na cobertura do prédio. Ele não se encontrava mais lá. Fiquei triste.
O que aconteceu com ele? Prefiro acreditar que ele estava ali fazendo
acrobacias junto com as outras aves, apesar de ser bem pouco provável.

Nenhum comentário:
Postar um comentário