sábado, 24 de outubro de 2020

A ÚLTIMA VEZ

Marcelo D'Alencourt

Faz tempo. Foi em Itaipu, Niteroi. Acordei cedo. Tomei um reforçado café da manhã e parti pra praia com a Mônica. O mar estava bem alto mas não era ressaca. Aliás, ressaca mesmo, vi poucos encararem. No meu grupo de adolescência, tinha um: Marcelão. Entrava em qualquer mar. Era o terror dos salva-vidas. Chegávamos à praia, mar alto e logo vinha um deles: "Hoje, não dá. Se entrar, vai morrer. Não vou te salvar". Marcelão desdenhava com os ombros e dizia: "Tô nem aí. Me garanto". E ia. Sem medo. Entrei e encarei vários mares com amigos. Alguns bem altos com o "Aquaman" de Laranjeiras. Certa vez cheguei bem perto da eternidade. Resolvi descer numa onda no jacaré básico que era meu forte. Quando olhei pra trás, a famosa e temida "sequência". Ou sequências rs. Várias enormes ondas. Você tem duas opções: recua, reza e toma fortíssimo na cabeça ou encara e se salva corajosamente. Sempre optei pela segunda. Só que dessa vez, me ferrei. Tomei uma, duas e três paredes no coco. Quase desfaleci imerso na água. Recuperei as forças e consegui voltar à superfície, rezando pra não ter mais uma onda. E não tinha. Deus me aliviou legal ali em Copa. Não era minha hora. Marcelão lá no fundo ria: "Corajoso, hein, quase se f..." Bem, conto isso porque, voltando a Itaipu, resolvi encarar como sempre o mar bem alto. Era normal pra mim isso. Tinha 38 anos e nadava 3 km, 4 vezes por semana, além de ter feito polo aquático na juventude. Tudo sob controle. Fiz o diabo nesse dia. Desci nos paredões, peguei tubos homéricos, bati no chão com força, mas tudo estava muito bem. Estava sozinho ali. Literalmente, só. Não havia ninguém na água. Aquilo me acendeu o alerta. Ignorei. Voltei pro fundo e desci no jacaré em mais um ondaço que me deixou em êxtase. A onda perfeita. Urrei nela de temor e felicidade. Estava ali pleno. Eu, Deus e o Mar: o maior e mais lindo de todos. Quando olhei pra trás, percebi instantaneanente que ele tinha virado. E lá estava a sequência. Temi mas não pensei duas vezes. Parti pra dentro da primeira e maior onda. Cruzei-a facilmente por baixo e, claro, fui parar bem lá no fundo pra me recompor e continuar a performance. Até que olho pra areia e vejo a minha Mônica, ao lado do salva-vidas, gritando pra que voltasse. Não esqueço essa cena. Me marcou muito. Já estava há quase uma hora na água. Joguei a toalha e resolvi descer já extenuado. Esperei a onda perfeita e, de carrinho, engatei a primeira, segunda, terceira e, reto e resoluto, fui parar na areia como um barco chegando de uma temporada no mar. Levantei-me. Respirei. Esperei palmas, muitas que vieram de mim mesmo. Mônica correu até mim, me abraçou e me beijou sedenta. O atento salva-vidas, com o pé de pato nas mãos, continuou me mirando num misto de admiração, respeito e reprovação. Foi minha última aventura radical no mar. Inesquecível...



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