terça-feira, 15 de dezembro de 2020

PRESENTE DE DEUS

"Coroas": bancos de areia que se formam no leito do Rio em perídos de estiagem

Carlos Alberto Monteiro Falcão

            Estes dias nos perdemos um grande amigo e parceiro.  Não, não foi covid.  Deixou   muitas lembranças de momentos prazerosos, não só de pescarias, mas de vida. Foi ele quem despertou   meu olhar para o rio Parnaíba. Foi um dos principais responsáveis por essa paixão pelas águas barrentas do “velho monge”. Dono de uma propriedade do outro lado do rio, em terras maranhenses, Toín nos proporcionou muitos finais de semana de descontração, pescarias e proximidade com a natureza. Muitos momentos de brincadeiras e muita alegria no "Presente de Deus", como ele chamava.  O Joguinho de “pif” antes de dormir era tradicional, de lá afloravam muitas histórias de pescadores, muitos causos a serem contados.

           Num desses finais de semana ficamos até mais tarde no moído do baralho e, entre um gole e outro de café passado no fogão a lenha, daqueles que só degustamos em pescarias, fazíamos planos para a pescaria de logo mais, quando amanhecesse.  Sem muito compromisso, mal conferimos o material e fomos dormir, depois de muita zoação como era de costume. Logo que amanheceu, descemos para o rio. Cruzamos o cocal fechado e, para fazer jus ao nome do local, lá estava como um presente da natureza, uma bela coroa... banco de areia muito comum no rio Parnaíba e que muda de local após cada temporada chuvosa. Apesar de formar uma linda praia de água doce, o fenômeno ocorre devido ao assoreamento do rio. A areia branca e límpida, ainda um pouco molhada pelo orvalho da noite cobria parte dos nossos pés. Pequenos momentos de contato com a natureza, que marcam uma pescaria. Atravessamos a coroa contemplando aquele momento e logo começamos arremessar os anzóis para o lado do canal do rio. Parecia que o rio não estava para peixes.  Aos poucos fui desanimando pela escassez de ataque nas iscas.  Meia hora depois, já recolhi o material fiquei sentado na areia, contemplando extasiado a beleza das águas do velho Parnaíba refletindo a luz do sol, que já brilhava no horizonte, como é comum por essas bandas. Enquanto isso, o baixinho continuava arremessando anzol, insistindo na pescaria.

— Tô sentindo que hoje vai dar alguma coisa! Comentava. Não deu outra, logo houve um ataque feroz.

— Eita!  Esse parece que é dos grandes! Gritou. Teve sorte que a fricção do molinete estava aberta e o peixe tomou linha. Aí foi aquela batalha. Toín conseguia recolher alguns metros e o bicho tomava linha novamente. Esta batalha durou mais de meia hora, até que o peixe foi cansando e aos poucos a linha foi recolhida enquanto o peixe foi chegando próximo do remanso da coroa. Como eu já estava ansioso para saber o que era, entrei na água rasa da cambôa que cobria até os joelhos e avistei o animal...

— É um tambaquí! E é dos grandes... Apesar de não ser um peixe nativo da bacia do Parnaíba, a quantidade de açudes e tanques criatórios construídos nas margens e que sangram para o rio na época de cheia são responsáveis pelo povoamento. Intempestivamente, tentei tirar o peixe da água, segurando-o pela cauda. O bruto deu um “sopapo”, soltou da minha mão e quebrou a linha. Lá se foi o troféu do dia. O pior é que nem sequer uma fotografia foi tirada para comprovar a proeza. Durante alguns segundos, o pequeno pescador ficou me encarando como quem quisesse me esfolar vivo! Soltou uma meia dúzia de palavrões, jogou a vara com molinete na areia e saiu resmungando.

— Calma rapaz! A linha era muito fina, você não iria conseguir tirar esse peixe mesmo! Tentei convencê-lo que a culpa não era minha. O fato é que ele passou o dia inteiro sem falar comigo, a não ser para esbravejar.

           Na hora do baralho, o clima já estava mais ameno e agora a história já rendia até umas boas gargalhadas. Umas das vantagens do tambaqui ter escapado sem nenhum registro é que, a cada comentário sobre o tal peixe, ele aumentava de tamanho. Em pescarias o que escapa é sempre o maior.

Espero que, onde você esteja, seja uma extensão do “Presente de Deus” e que tenha boas pescarias, com eternos momentos de felicidade. Descanse em paz caro amigo!

Um comentário:

Iago Landim disse...

Olá tudo bem?

O Sr. tem algum parentesco com o Sr. Desembargador Joaquim Vaz da Costa? se sim, por favor entre em contato, eu preciso muito de um material dele!

Obrigadíssimo.