Daniel Cariello**
Encontraram-se
no Posto 9, apresentados por amigos, na fila do sanduíche. Ela, Leblon, Rio de
Janeiro. Ele, La Boca, Buenos Aires. Soraya. Rodrigo. Roqueira. Rockero. Ama
futebol. Ama el fútbol. 23 anos. También. Meu Deus! Dios mío!
— O meu é de carne. - Ela disse
ao atendende - Capricha no chimichurri.
— São dois! - Ele falou em um
português quase perfeito, esforçando-se para agradar, apesar de não comer carne
vermelha há quase um ano.
Ela perguntou
se ele queria uma cerveja, pra acompanhar. Ele não queria. Ela também não
queria mais. Ele queria um mate. Ela pediu um com limão. Ele a corrigiu de
maneira delicada, para não constrangê-la, dizendo que mate para ele era
chimarrão. Ela não suportava chimarrão, ainda mais nesse calor, mas achou uma
boa ideia voltar para a barraca e tomar um com ele.
— Tem um copo pra mim? - Ela
perguntou.
— Não é copo, é cuja.
— Cuja?
— Sim, aquele recipiente, cuja.
— Ah, cuia.
— Isso. Cuja.
Ele explicou
que o legal do chimarrão era compartilhar a cuia, preparou a erva, completou
com água fervendo e passou pra ela. Ela puxou com força, queimou a boca, deixou
cair a cuia e cuspiu na cara dele. Ele limpou. Ela ficou sem graça e pediu
desculpas. Ele aceitou sorrindo e revelou um molar de ouro. Ela achou
esquisito. Ele manteve o sorriso e o sol bateu no molar e refletiu no olho
dela. Ela foi tapar o olho com a mão cheia de areia e piorou a situação. Ele
pegou uma garrafa de água e jogou no rosto dela, mas a garrafa tinha o xixi do
filho de 2 anos do Robério, que aprendera com o pai que não podia sujar a
praia, então só fazia em garrafa de plástico. Ela disse que estava queimando.
Ele a puxou pelo braço. Ambos entraram na água gelada e se abraçaram,
instintivamente, até bater uma onda e dar um caldo nos dois. Ela se levantou primeiro
e o puxou pela mão, de volta à barraca. Ele preparou outro chimarrão.
— Tenga cuidado dessa vez.
— Terei.
Ela teve
cuidado com o mate quente, mas não com o ritual da bebida, e pegou na bomba
para dar uma mexidinha. Ele ficou horrorizado e deu um tapa na mão dela,
instintivamente. Ela quis saber o que era aquilo. Ele tentou disfarçar e disse
que havia um mosquito do Zico. Ela corrigiu, era Zika. Ele disse Zico e Zika
eram duas pragas. Ela afirmou praga era o Messi, que parecia uma pulga. Ele
provocou aquela pulga sempre fazia o Brasil se coçar. Ela recordou a Argentina
não era campeã havia 30 anos, desde a época do Maradona. Ele decretou Maradona
era melhor que Pelé. Ela se levantou e jogou o chimarrão quente no pé dele,
pois aguentava muita coisa, mas isso já era demais.
No caminho de
casa, pensou que devia ter ido embora quando viu o molar de ouro. Aquilo, sim,
era muito estranho.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br
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