Lygia,
Imagino que
você deva receber muitas cartas de seus leitores, eu sou apenas mais um. Espero
que essa carta chegue às suas mãos e que você ao menos por um instante saiba
que eu existo e que amo tudo que você representa. Tenho 30 anos, sou jornalista
e escrevo pra me libertar. Escrevo desde que me lembro de sabê-lo, mas tenho
dificuldade de me assumir escritora, prefiro dizer que sou alguém que escreve,
assim como alguém que respira.
O primeiro
livro seu que li foi “Antes do Baile Verde” naquela edição linda da Companhia
das Letras. Como você sempre diz em suas entrevistas, sou uma brasileira que
sempre leu muitos estrangeiros. Inicialmente, me veio Clarice (sua querida
amiga) tão querida por uma amiga minha. Mas, de fato, nunca consegui afugentar
a neblina da escrita de Clarice, ao menos um pouco. Das vezes que a li senti-me
totalmente cega e incapaz. Senti-me uma leitora pouco dotada. Sendo assim, o
sentimento de orfandade permaneceu, não havia nenhuma escritora brasileira que
pudesse dizer que era minha. Até o dia que você me abraçou! Naqueles contos tão
cheios do insondável, de nivelamentos e camadas de poesia eu me encontrei.
Imagine-me com os olhos marejados e o coração repetindo: achei, achei.
Agora, Lygia,
não me sinto só, ao menos não tão só quanto antes. Recentemente, uma amiga foi
ao Rio e trouxe pra mim de presente “Durante aquele estranho chá”, uma edição
linda da Rocco com letras capitulares e papel vermelho. Estou com ele dentro da
bolsa agora, quase no fim, prolongo nossa despedida. Já chorei, já sorri, já
contemplei, já nasci e morri nesse interstício. Por isso, não poderia deixar de
dizer pra você o quanto as suas palavras agora são minhas e o quanto a sua
literatura se apodera da minha existência.
Não escrevo
pra você para pedir-lhe explicações sobre personagens ou enredo. Para mim está
tudo ali. Explicar destrói, despedaça, racionaliza. Escrevo para dizer que você
faz muita diferença no meu mundo, que você me ajuda a ser feliz e cultiva em
meu coração a esperança. Nasci no dia 16 de abril de 1985, somos do mesmo signo
(solares), nasci no ano que você assumia a cadeira dezesseis na Academia
Brasileira de Letras. Enquanto você angariava o reconhecimento de sua obra, eu
sequer tinha consciência de mim. Gosto de fazer esses paralelos, gosto dessa mística
de pensar na transversal das vidas. De fato, só iria conhecê-la nos meados dos
meus vinte anos. Já escrevi um conto em sua homenagem, nada demais, sequer
ouso/quero mostrá-lo. Quem sabe um dia publicarei um livro e poderei dedicá-lo
a você.
Li “As Meninas”
no final de 2015, nos intervalos do trabalho sorrateiramente lia algumas
páginas. Não consegui ler tão rápido, muitas vezes a angústia me pegava e eu
pausava a leitura. Os diálogos tão irrequietos, o espírito tão atravancado das
três meninas me atropelava. Preciso lhe dizer que não há final mais bonito, me
comovi tanto com a fragilidade da corajosa Lia e a atitude de Lorena que
resolve a situação, que enfeita Ana Clara e que se despede como pode, numa
madrugada tão triste, uma vida tão dolorida e tão breve… Não pude me conter,
chorei e passei dias sofrendo e falando do livro. Sempre tentando acalentar meu
coração, feito em tiras por você. Me tirando do limbo das emoções que as
tarefas práticas terminam por fazer conosco, caso não se reaja a elas.
Lygia, ainda
bem que você nunca desistiu. Ainda bem.
No mais, deixo
para você amor!
Ananda Sampaio
*Em forma de carta pessoal.
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