1974. Cheguei em Zé Doca, Maranhão, para, como Coordenador Executivo, ajudar a dirigir o Projeto de Colonização do Alto Turí, iniciado pela Sudene (Celso Furtado), paralizado, por anos, pelo golpe militar, e continuado, em 73, pelo Andreazza, com recursos do Banco Mundial. Assentamos, em 949.000 hectares, dalí até às margens do rio Gurupi, fronteira com o Pará, cerca de 15.000 famílias de nordestinos, a maioria, saidos do regime de agregacia e do cambão, da imensidade de nosso semi-árido, em busca de liberdade, em uma terra fértil e, ainda, inexplorada. Floresta, de um lado e do outro da rodovia asfaltada, que levava a Belém, cortada por rios e muitos riachos pequenos, a mata se perdia de vista! No rio Turiaçú, caminhões encostavam e carregavam toneladas de peixes, abundantes de tal forma que, por curiosidade e para os degustar com uma cervejinha gelada, mandís eram pescados com anzóis sem isca. Domingos, os banhos eram concorridos, pelos servidores do PCAT. Era jogar o anzol nágua e lá vinha o danado...
Hoje, não se vê, no
horizonte, de um lado e do outro, um pé-de-pau, em 200 klms de
extensão, e, no Rio Turí, não há mais peixes Os animais
silvestres desapareceram e os mosquitos tomaram conta das margens dos
rios, graças a uma devastação desenfreada dos grileiros e
madereiros, da época em que Sarney foi presidente da república,
principalmente.
E, haja Rio + 20...!
1974. Famílias chegavam, aos montes, para compartilhar dos lotes de 50ha do
Projeto de colonização do Alto Turi, no Maranhão. Eram necessários
os exames médicos, exames de sangue, de fezes, de urina, etc, de
todas os membros da família candidata a ser dona de seu pedaço de
terra. Vinham de todo o nordeste, principalmente, de Pernambuco,
Ceará, e Maranhão, com a esperança de uma vida melhor,
menos sofrida,
sem patrões, sem coronéis, sem servidão...
Dispostos a
qualquer sacrifício, houve casos de pais baterem nos filhos para que
obtivessem a urina e as fezes pela dor, para entregar, depressa, com
medo de perder a oportunidade, o que lhes era solicitado pelas normas
do Projeto!
Entretanto, deixar examinar a esposa, que precisava
trocar as roupas por uma espécie de bata, nem pensar... era caso de
puxação da "lambedeira", ou "peixeira" pois
"esses doutorzinhos de merda não vão ver minha muié nua".
Aí, era um Deus nos acuda, e la ia eu, com assistentes sociais e o
Diretor de nosso hospital, convencer o marido que aquilo era natural,
não uma imoralidade, e que era realizado em qualquer lugar do mundo!
Só mesmo a promessa do lote fazia ele aceitar esse "desfeite",
mas ficava de prontidão, junto à porta do ambulatória,"pra
qualquer necessidade"...
Triste realidade de uma ignorância
que grassava no meio rural nordestino, onde o nosso caboclo não
tinha direito a uma escola, a uma moradia decente, a um tratamento de
saude, dele e de sua família, por pior que fosse.
Comecei
a ver e a sentir o trabalho que teríamos para inserir a cultura como
uma das principais metas de um projeto que pretendia o
desenvolvimento econômico e social de uma região, através da
colonizaçao de áreas pertencentes à União.
Continuarei.
Ainda 1974.
Encontramos escolas construídas pela SUDENE e depredadas, sem professoras.
Nenhuma "normalista" queria ir morar no "mato", andando em
estradas vicinais, para chegar até os núcleos de colonização, com 50 famílias,
cada.
Como conservar as escolas
antigas, e as novas, que seriam construídas? e os professores, como consegui-los,
permanentemente, nos núcleos e fazê-los competentes? Qual o papel de uma escola
no processo educativo? Valei-nos Paulo Freire, quais as experiências de cada
hum, aproveitáveis naquela labuta? Como nos tornar confiáveis de um povo
sofrido, como fazê-los acreditar em nossa honestidade de propósitos, em que
estávamos ali para servir e não para explorar os que para ali acorreram,
esperançosos de uma vida melhor? Como evitar a imagem do autoritarismo, quando,
mesmo entre nós, havia quem se julgasse “autoridade’”?
Tudo era premente.
Nada de prioridades, primeiro isto, depois aquilo, tudo era prioritário,
educação, saúde, produção agropecuária, etc., etc.,... Vínhamos de uma época em
que se planejava perguntando "o que", "pra quem", "pra
que", "como", "por que"?, "por quem", e por
aí se ia... A pergunta "quando" só tinha uma resposta: "pra
agora". Discutíamos, discutíamos, até de noite, pensamentos, formações
diferentes, mas todos querendo acertar, contribuir, construir algo, pelo menos
demonstrar que não fomos para o Projeto em vão...
Muitas famílias já não moravam por lá, abandonadas que se encontravam...
Recomeçamos, quase do nada, e a reconstrução não foi, e nem poderia ter sido,
da noite para o di...a! Agrônomos, Engenheiros civis, Sociólogos, Assistentes
Sociais, Médicos, Professoras de nível superior, técnicos de nível médio, toda
uma equipe foi formada, desde 1972, e dedicou-se a identificar os problemas e
gargalos para a execução das metas e dos objetivos do PCAT, isto é, a planejar
nossas ações, sem esquecer a participação dos colonos chegantes.
- Continuarei
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