quinta-feira, 12 de julho de 2012

ANDANÇAS DO MANOEL ANDANTE


Manoel Emílio Burlamarque de Oliveira

1974.  Cheguei em Zé Doca, Maranhão, para, como Coordenador Executivo, ajudar a dirigir o Projeto de Colonização do Alto Turí, iniciado pela Sudene (Celso Furtado), paralizado, por anos, pelo golpe militar, e continuado, em 73, pelo Andreazza, com recursos do Banco Mundial. Assentamos, em 949.000 hectares, dalí até às margens do rio Gurupi, fronteira com o Pará, cerca de 15.000 famílias de nordestinos, a maioria, saidos do regime de agregacia e do cambão, da imensidade de nosso semi-árido, em busca de liberdade, em uma terra fértil e, ainda, inexplorada. Floresta, de um lado e do outro da rodovia asfaltada, que levava a Belém, cortada por rios e muitos riachos pequenos, a mata se perdia de vista! No rio Turiaçú, caminhões encostavam e carregavam toneladas de peixes, abundantes de tal forma que, por curiosidade e para os degustar com uma cervejinha gelada, mandís eram pescados com anzóis sem isca. Domingos, os banhos eram concorridos, pelos servidores do PCAT. Era jogar o anzol nágua e lá vinha o danado... 

       Hoje, não se vê, no horizonte, de um lado e do outro, um pé-de-pau, em 200 klms de extensão, e, no Rio Turí, não há mais peixes Os animais silvestres desapareceram e os mosquitos tomaram conta das margens dos rios, graças a uma devastação desenfreada dos grileiros e madereiros, da época em que Sarney foi presidente da república, principalmente.
E, haja Rio + 20...!
Continuarei
.
1974.   Famílias chegavam, aos montes, para compartilhar dos lotes de 50ha do Projeto de colonização do Alto Turi, no Maranhão. Eram necessários os exames médicos, exames de sangue, de fezes, de urina, etc, de todas os membros da família candidata a ser dona de seu pedaço de terra. Vinham de todo o nordeste, principalmente, de Pernambuco, Ceará, e Maranhão, com a esperança de uma vida melhor, menos sofrida, sem patrões, sem coronéis, sem servidão...

        Dispostos a qualquer sacrifício, houve casos de pais baterem nos filhos para que obtivessem a urina e as fezes pela dor, para entregar, depressa, com medo de perder a oportunidade, o que lhes era solicitado pelas normas do Projeto!
        Entretanto, deixar examinar a esposa, que precisava trocar as roupas por uma espécie de bata, nem pensar... era caso de puxação da "lambedeira", ou "peixeira" pois "esses doutorzinhos de merda não vão ver minha muié nua". Aí, era um Deus nos acuda, e la ia eu, com assistentes sociais e o Diretor de nosso hospital, convencer o marido que aquilo era natural, não uma imoralidade, e que era realizado em qualquer lugar do mundo! Só mesmo a promessa do lote fazia ele aceitar esse "desfeite", mas ficava de prontidão, junto à porta do ambulatória,"pra qualquer necessidade"...
      Triste realidade de uma ignorância que grassava no meio rural nordestino, onde o nosso caboclo não tinha direito a uma escola, a uma moradia decente, a um tratamento de saude, dele e de sua família, por pior que fosse. 
        Comecei a ver e a sentir o trabalho que teríamos para inserir a cultura como uma das principais metas de um projeto que pretendia o desenvolvimento econômico e social de uma região, através da colonizaçao de áreas pertencentes à União.
Continuarei.

Ainda 1974. Encontramos escolas construídas pela SUDENE e depredadas, sem professoras. Nenhuma "normalista" queria ir morar no "mato", andando em estradas vicinais, para chegar até os núcleos de colonização, com 50 famílias, cada.                 
                  Como conservar as escolas antigas, e as novas, que seriam construídas? e os professores, como consegui-los, permanentemente, nos núcleos e fazê-los competentes? Qual o papel de uma escola no processo educativo? Valei-nos Paulo Freire, quais as experiências de cada hum, aproveitáveis naquela labuta? Como nos tornar confiáveis de um povo sofrido, como fazê-los acreditar em nossa honestidade de propósitos, em que estávamos ali para servir e não para explorar os que para ali acorreram, esperançosos de uma vida melhor? Como evitar a imagem do autoritarismo, quando, mesmo entre nós, havia quem se julgasse “autoridade’”?
                   Tudo era premente. Nada de prioridades, primeiro isto, depois aquilo, tudo era prioritário, educação, saúde, produção agropecuária, etc., etc.,... Vínhamos de uma época em que se planejava perguntando "o que", "pra quem", "pra que", "como", "por que"?, "por quem", e por aí se ia... A pergunta "quando" só tinha uma resposta: "pra agora". Discutíamos, discutíamos, até de noite, pensamentos, formações diferentes, mas todos querendo acertar, contribuir, construir algo, pelo menos demonstrar que não fomos para o Projeto em vão...
                   Muitas famílias já não moravam por lá, abandonadas que se encontravam... Recomeçamos, quase do nada, e a reconstrução não foi, e nem poderia ter sido, da noite para o di...a! Agrônomos, Engenheiros civis, Sociólogos, Assistentes Sociais, Médicos, Professoras de nível superior, técnicos de nível médio, toda uma equipe foi formada, desde 1972, e dedicou-se a identificar os problemas e gargalos para a execução das metas e dos objetivos do PCAT, isto é, a planejar nossas ações, sem esquecer a participação dos colonos chegantes. 

- Continuarei

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