A. J. de O. Monteiro
Nestes últimos dias tenho
visitado com muita frequência, um canto da minha memória que preserva todas as
boas lembranças da minha vida, principalmente das minhas infância e
adolescência. A este canto denomino “sótão mágico”. Mas não associem este canto
à ideia de um sótão qualquer, igual àqueles que conhecemos dos filmes de
mistério, cheios de quinquilharias sem importância largadas ali para serem esquecidas:
móveis velhos empoeirados e cheirando a mofo e teias de aranhas pendendo do
teto e, principalmente, mal iluminado. Não, este sótão é diferente. É
iluminado, colorido e cheio de alegria. Nele tudo permanece novo e é habitado
por pessoas especiais que fizeram daquelas fases da minha vida, tempos felizes.
No
sótão, em todas as minhas visitas, encontro a Titia. Sim a Titia. Não é
necessário lhes apresentar o nome, todos sabem quem é. Descrevê-la fisicamente
é fácil: baixinha, gordinha, cabelos grisalhos e presos em forma de cocó por um
pente engraçado e, a adornar-lhe o rosto um óculos de aros redondos e hastes
flexíveis (também engraçado). De humor não é alegre nem triste, é serena. Às
vezes, raras vezes, se zanga e quando isso acontece, sai de baixo! Já amanhece
o dias cantarolando alguma musiquinha ininteligível e quase não fala,
percebe-se logo que a Titia está nos “aços”. Outra manifestação de suas zangas
é a determinação de viajar para Campo Maior ou para Caxias (MA). Vai mas não
demora muito tempo longe nós, logo estava de volta, com o humor e a paciência
de sempre.
Traduzir
com palavras sua importância em minha vida não é muito simples. Por isso vou
lhes contar o que acontece nessas minhas visitas ao sótão: Do prático, do
cotidiano, é tudo normal. A Titia toma conta de tudo, da minha roupa, da minha
higiene (vai tomar banho, menino!), do meu futuro (acorda prá ir prá escola!) e
da minha alma (vai rezar prá dormir!). Tudo normal. Qualquer tia solteira que
more com seus sobrinhos faz isso. Quero ver é qualquer tias fazer o que ela faz
quando cegam as férias escolares: LEVAR-ME PARA CAMPO MAIOR!
Quando
se aproxima o período das férias, um clima de excitação toma conta do sótão. Os
preparativos para a viagem à Campo Maior. Com uma semana de antecedência,
iniciam-se os preparativos para a viagem: comprar as passagens, separar e lavar
roupas e arrumar as malas.
Finalmente
chega o dia da viagem e a expectativa é tanta que nem sinto cansaço pela noite
que passei em claro. Após uma merenda leve para evitar percalços intestinais
durante a viagem, saímos de casa rumo à Praça Saraiva com as despedidas e
recomendações de praxe: “obedeça a sua tia...” Santana, se ele der trabalho,
manda de volta.” O carregador (chapeado já velho conhecido), vai à frente com a
bagagem nas cabeça... Na minha cabeça só Campo Maior e suas delícias.
Como
sempre, atrasado, o “Horário” saiu. Como sempre minha mente vai à frente
deixando para trás Teresina. De repente um sacolejo mais forte e percebo que já
estamos na estrada poeirenta por onde o “Horário” segue lento, tão lento que toda
a paisagem vai se revelando preguiçosamente em minhas memórias de outras
viagens: as árvores, os morros, os riachos, as pontes, os trilhos da velha
ferrovia, os postes dos correios, os animais, a curva do “esse”, os Altos do
João de Paiva... “vamos tomar uma qualhadinha...?” Tudo chegando, tudo passando
e nada de campo Maior. Será que chofer errou o caminho? “Que nada, quantas
vezes já passamos por aqui, não lembra?” Que nada, tudo é novo, tudo se renova
à cada viagem: as árvores, os morros, os riachos,as pontes, os trilhos, os
postes, os animais, a curva do “esse”, os Altos do João de Paiva..., até aquela
torre ali! Meu coração disparou, é a torre da Igreja de Santo Antônio! CAMPO
MAIOR CHEGOU!
E
lá estou eu correndo pela Praça Bona Primo, saindo escondido para a beira do
rio Surubim na cheia, esgueirando-me pelo beco prá ver o bonito por do sol na Baixa,
suportando o cheiro de bosta de gado que recende do curral ao lado. De manhã é
bolo frito no café. Na merenda é melancia cortada sobre o peitoril de laje do
corredor. No almoço é capote ao molho pardo e no jantar sopa. Depois tem o
terço e as histórias... Deu o segundo sinal, a luz “já vai embora”, vamos todos
dormir pois amanhã é domingo e tem missa bem cedinho na igreja de Santo
Antônio.
A
Titia se foi e com ela Campo Maior pois ninguém me leva mais prá lá.
Vou
ao sótão e lá está ela sentada em frente à almofada de renda, serena, com seus
cabelos grisalhos presos em forma de cocó, seus óculos de aros redondos e
hastes flexíveis, batendo os bilros de mulher rendeira com incrível velocidade
(tec-te-tec-tec), fazendo os bicos e as rendas que enfeitarão os vestidos de
missas e festas. E lá está ela sentada na cadeira de balanço, em palhinha,
rodeada por nós, contando histórias de trancoso, do Pedro malasarte, do pavão
misterioso, do menino e o padre (esta, mais uma piada longa que história de
trancoso), do ali babá e quarenta ladrões e tantas outras e mais outras...
E
entrou pelo bico do pinto e saiu pelo bico do pato, quem souber que conte mais
quatro.
Vão
dormir que amanhã tem aula.
Um comentário:
E ai, achas que elogio tuas crônicas, tuas recordações, por ser amigo? vais lamber sabão, e vê se escreves mais, que é o melhor melhor remédio para quem possui sensibilidade!
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