segunda-feira, 2 de julho de 2012

O SÓTÃO



A. J. de O. Monteiro

                  Nestes últimos dias tenho visitado com muita frequência, um canto da minha memória que preserva todas as boas lembranças da minha vida, principalmente das minhas infância e adolescência. A este canto denomino “sótão mágico”. Mas não associem este canto à ideia de um sótão qualquer, igual àqueles que conhecemos dos filmes de mistério, cheios de quinquilharias sem importância largadas ali para serem esquecidas: móveis velhos empoeirados e cheirando a mofo e teias de aranhas pendendo do teto e, principalmente, mal iluminado. Não, este sótão é diferente. É iluminado, colorido e cheio de alegria. Nele tudo permanece novo e é habitado por pessoas especiais que fizeram daquelas fases da minha vida, tempos felizes.
                No sótão, em todas as minhas visitas, encontro a Titia. Sim a Titia. Não é necessário lhes apresentar o nome, todos sabem quem é. Descrevê-la fisicamente é fácil: baixinha, gordinha, cabelos grisalhos e presos em forma de cocó por um pente engraçado e, a adornar-lhe o rosto um óculos de aros redondos e hastes flexíveis (também engraçado). De humor não é alegre nem triste, é serena. Às vezes, raras vezes, se zanga e quando isso acontece, sai de baixo! Já amanhece o dias cantarolando alguma musiquinha ininteligível e quase não fala, percebe-se logo que a Titia está nos “aços”. Outra manifestação de suas zangas é a determinação de viajar para Campo Maior ou para Caxias (MA). Vai mas não demora muito tempo longe nós, logo estava de volta, com o humor e a paciência de sempre.
                Traduzir com palavras sua importância em minha vida não é muito simples. Por isso vou lhes contar o que acontece nessas minhas visitas ao sótão: Do prático, do cotidiano, é tudo normal. A Titia toma conta de tudo, da minha roupa, da minha higiene (vai tomar banho, menino!), do meu futuro (acorda prá ir prá escola!) e da minha alma (vai rezar prá dormir!). Tudo normal. Qualquer tia solteira que more com seus sobrinhos faz isso. Quero ver é qualquer tias fazer o que ela faz quando cegam as férias escolares: LEVAR-ME PARA CAMPO MAIOR!
                Quando se aproxima o período das férias, um clima de excitação toma conta do sótão. Os preparativos para a viagem à Campo Maior. Com uma semana de antecedência, iniciam-se os preparativos para a viagem: comprar as passagens, separar e lavar roupas e arrumar as malas.
                Finalmente chega o dia da viagem e a expectativa é tanta que nem sinto cansaço pela noite que passei em claro. Após uma merenda leve para evitar percalços intestinais durante a viagem, saímos de casa rumo à Praça Saraiva com as despedidas e recomendações de praxe: “obedeça a sua tia...” Santana, se ele der trabalho, manda de volta.” O carregador (chapeado já velho conhecido), vai à frente com a bagagem nas cabeça... Na minha cabeça só Campo Maior e suas delícias.
                Como sempre, atrasado, o “Horário” saiu. Como sempre minha mente vai à frente deixando para trás Teresina. De repente um sacolejo mais forte e percebo que já estamos na estrada poeirenta por onde o “Horário” segue lento, tão lento que toda a paisagem vai se revelando preguiçosamente em minhas memórias de outras viagens: as árvores, os morros, os riachos, as pontes, os trilhos da velha ferrovia, os postes dos correios, os animais, a curva do “esse”, os Altos do João de Paiva... “vamos tomar uma qualhadinha...?” Tudo chegando, tudo passando e nada de campo Maior. Será que chofer errou o caminho? “Que nada, quantas vezes já passamos por aqui, não lembra?” Que nada, tudo é novo, tudo se renova à cada viagem: as árvores, os morros, os riachos,as pontes, os trilhos, os postes, os animais, a curva do “esse”, os Altos do João de Paiva..., até aquela torre ali! Meu coração disparou, é a torre da Igreja de Santo Antônio! CAMPO MAIOR CHEGOU!
                E lá estou eu correndo pela Praça Bona Primo, saindo escondido para a beira do rio Surubim na cheia, esgueirando-me pelo beco prá ver o bonito por do sol na Baixa, suportando o cheiro de bosta de gado que recende do curral ao lado. De manhã é bolo frito no café. Na merenda é melancia cortada sobre o peitoril de laje do corredor. No almoço é capote ao molho pardo e no jantar sopa. Depois tem o terço e as histórias... Deu o segundo sinal, a luz “já vai embora”, vamos todos dormir pois amanhã é domingo e tem missa bem cedinho na igreja de Santo Antônio.
                A Titia se foi e com ela Campo Maior pois ninguém me leva mais prá lá.
                Vou ao sótão e lá está ela sentada em frente à almofada de renda, serena, com seus cabelos grisalhos presos em forma de cocó, seus óculos de aros redondos e hastes flexíveis, batendo os bilros de mulher rendeira com incrível velocidade (tec-te-tec-tec), fazendo os bicos e as rendas que enfeitarão os vestidos de missas e festas. E lá está ela sentada na cadeira de balanço, em palhinha, rodeada por nós, contando histórias de trancoso, do Pedro malasarte, do pavão misterioso, do menino e o padre (esta, mais uma piada longa que história de trancoso), do ali babá e quarenta ladrões e tantas outras e mais outras...
                E entrou pelo bico do pinto e saiu pelo bico do pato, quem souber que conte mais quatro.
                Vão dormir que amanhã tem aula.


Um comentário:

Manoel Andante disse...

E ai, achas que elogio tuas crônicas, tuas recordações, por ser amigo? vais lamber sabão, e vê se escreves mais, que é o melhor melhor remédio para quem possui sensibilidade!