A. J. de O. Monteiro
Corre
no Supremo Tribunal Federal, ação promovida por movimentos de afirmação da raça
negra que objetiva retirar da cesta de livros paradidáticos oferecida pelo MEC
às escolas públicas o livro de autoria de Monteiro Lobato “AS CAÇADAS DE
PEDRINHO”, alegando-se a presença de elementos racistas naquela obra. A questão
virou mote entre intelectuais de todas as vertentes que vêm publicando artigos
e ensaios em jornais, revistas e em sites da web. Li alguns deles (3 ou 4).
Todos bem embasados sob óticas diversas: da História e à Antropologia, da
Sociologia à Ciência Política. Desses que li, todos afirmam ver conotações
racistas na obra e citam a expressão “macaca de carvão” usado pelo autor em uma
passagem da narrativa para referir-se ao personagem “Tia Nastácia” – Uma senhora
negra, cozinheira e faz-tudo do sítio ou seja, um estereótipo da negra brasileira. Não há, portanto, como não se enxergar racismo na expressão.
Li
uma boa parte da coleção de Lobato onde narra as aventuras da turma do “Sítio do
Pica Pau Amarelo”, ainda muito novo, entre a infância e a adolescência e já não
me lembrava dessa ou de quaisquer outras colocações do mesmo teor. Corri à
estante onde temos a coleção completa das aventuras da boneca Emília e sua
exótica turma imaginada por Lobato. Pincei o volume 3 – “AS CAÇADAS DE
PEDRINHO/HANS STADEN” e comecei a ler, ou melhor, reler. É verdade, lá
encontrei a expressão citada por todos os analistas e várias outras que, se
ditas ou escritas hoje em referência a uma pessoa da raça negra fatalmente
levará o autor a ter problemas com a lei e causar indignação na sociedade. Vez
por outra a imprensa noticia fatos dessa natureza. Transcrevo, a seguir,
algumas dessas frases e expressões:
-
“...resmungou a preta, pendurando o beiço.”
-
“... e ‘Tia Nastácia’, esquecida dos reumatismos, trepou que nem uma macaca de carvão
pelo mastro de São Pedro acima,...”
-
“Estão vendo? – disse o onço, passando a língua pela beiçaria. O nosso banquete
vai começar pela sobremesa. O furrundu está dizendo que não aguenta mais e vai
descer...”
-
“...a boa negra realmente não escaparia de virar furrundu de onça...”
Sem
saber o que é furrundu, recorri ao “Aurélio” e lá encontrei: “Doce feito de
cidra ralada, gengibre e açúcar mascavo.” É de se imaginar, pelos ingredientes,
que se trata de um doce de tonalidade escura.
Tentei
lembrar de alguma reação negativa do menino ante alguém de seu convívio e pertencente
à raça negra, provocada pela leitura do livro que hoje se quer retirar das
bibliotecas escolares e não lembrei. Lembrei, sim, do quanto viajei por aquele
mundo encantado sentindo-me partícipe daquelas aventuras que somente a
imaginação infantil pode aceitar como verossímil. Confesso que a releitura do
livro foi muito prazerosa. Fiz uma pequena viagem de volta à infância... Mas, repito, pelo olhar atual,
não há como não enxergar conotação racista nas expressões e frases referentes
ao personagem “Tia Nastácia”. Também há que se notar que nenhum dos demais
personagens, em todo o transcurso da narrativa, assume qualquer atitude
segregacionista contra “ela”. Muito pelo contrário demonstram carinho e
preocupam-se com sua segurança tratando de encontrar meios de lhe por a salvo
da ira dos felinos vingativos.
Note-se
também (e digo isso principalmente aos caçadores de Lobato), que o autor
destinou ao personagem, um tratamento bastante familiar e carinhoso: “Tia”. E as
tias, na infância de qualquer um, é uma dádiva, é aquela que mais nos mima e
agrada. Pro colo de quem corremos quando repreendidos ou castigados pelos pais. As
Tias, principalmente se solteironas, como no caso da “Tia Nastácia”, são tão
queridas quanto respeitadas.
Deixando
de lado a questão do racismo, vejo Lobato como um dos maiores escritores do
Brasil e não só isso, foi também um incentivador e divulgador da literatura
brasileira da época e, acima de tudo um nacionalista que idealizou um Brasil
grande e autossuficiente. Teve também, já àquela época, grande preocupação com
a preservação ambiental e isso se vê por toda sua obra.
O
racismo é questão séria e deve ser tratada com seriedade e firmeza, não com
radicalismos tais que venham banir da literatura brasileira um dos seus mais
criativos nomes.
Em
tempo: O Monteiro do meu nome nada tem a ver com o Monteiro do Lobato.
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