Daniel cariello**
Estamos quase no Eixão, uma
autoestrada que corta a cidade ao meio. O quê? Não sabia que era uma
autoestrada? Quase ninguém sabe, mas é. Ela exibe como nome oficial DF-002, mas
até para Brasília, chegada em um cartesianismo, essa alcunha soa muito dura.
Eixão é melhor. E é melhor ainda não pegá-lo perto das 6 da tarde, porque tem
risco de encrencar. Mas agora, de madrugada, trata-se de uma ótima experiência.
Principalmente escutando música. Eu ia sugerir Kraftwerk, mas alguém roubou
minha ideia, antes que eu a tivesse, e fez um vídeo que rodou as redes sociais.
Procure, você vai gostar. Vamos de artistas locais, também chegados numa
eletrônica, a exemplo de Deltafoxxe ^L_. Não sei como se pronuncia esse último.
Duvido que ele mesmo saiba. Escolha um e dê play; já entramos no Eixão. A
viagem é longa: são 13 quilômetros. Acelere, mas se mantenha em 80, senão o
pardal pega. E, agora, parece que o pardal ficou bom em matemática, calcula a
velocidade média. Multas exponenciais, verdadeiro terror. Desde Hitchcock,
pássaros não amedrontam tanto. A diferença está no fato de que os de Brasília
não atacam os corpos, só os bolsos. Mas a ferocidade é a mesma. Olha, já é a
rua do Beirute Norte. Como eu sei? Eu sei, ué. Não é verdade; não é tudo igual.
Logo ali tem uns prédios diferentões. Para alguns, parecem transformadores
elétricos. Aumente o som, essa parte é eletrizante. Esse disco foi elogiado em
sites e revistas do mundo todo. Conheço o bicho, climas meio down são a cara
dele. O som combina com a leve descida que começa daqui a pouco. Depois do
viaduto, vai dar para ver o Conjunto Nacional, que era mais bonito na época do
neon, antes de virar esse varal de outdoor. Gosto mais do Conic. Já vi show dos
Wallaces no Ritz, o cinema pornô que fechou. E todos os filmes dos Trapalhões
com a minha avó paterna no Cine Atlântida. Choramos juntos o cachorrinho Lupa,
do Didi, em As Minas do Rei Salomão. O cinema faliu e virou uma próspera
igreja. Trocou o álbum? Deltafoxx é bacana. Já escutou a gravação deles com o
Beto Só? Tem aí, coloque bem alto, para as superquadras ouvirem. Aqui é mais
familiar, sempre morei na Asa Sul, mas um dia ainda vou para a Norte. E esse
cara atravessando a pista a esta hora? Maluco, passou na minha frente, nem para
esperar. Quase não vi. Seria um atropelamento cinematográfico. E olha o Cine
Brasília. Um programa sem erro é sair do festival e ir para o Beirute Sul. Dá
para ir a pé, mas sabemos que pedestre em Brasília é quase miragem. O Eixão
acaba bem ali, mas ainda dá para continuar o giro, sempre em velocidade de
cruzeiro. Quer?
*Publicada originalmente em Veja Brasília de11.mar.2015.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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