terça-feira, 14 de abril de 2015

AS AGRURAS DE UM ENVELHESCENTE*


A. J. de O. Monteiro
               Quando criança imaginava que as pessoas haviam nascido assim como as conheci, ou seja: os velhos nasceram velhos; os adultos nasceram adultos e as crianças nasceram assim e assim permaneceriam para todo o sempre. Não tinha, então, ideia do fenômeno da vida como concepção, nascimento, crescimento (no meu caso, não muito) e morte. Não sei exatamente a que altura da vida tomei consciência da realidade. Talvez com o nascimento de novos membros na família, principalmente sobrinhos, muitos dos quais nasceram na casa de meus pais e acompanhei o processo, mesmo com as restrições impostas às crianças, àquela época. Bem, deixem-me explicar: Família grande, dezesseis irmãos e eu, o penúltimo da prole, tenho sobrinhos com minha mesma idade.
               Fui então passando pelas fases naturais da vida sem maiores problemas e sem me preocupar com a etapa derradeira dessa jornada perigosa chamada vida. A tomada de consciência do processo, não me causou nenhum temor achando que chegaria à velhice – algo sempre muito distante para mim – sem os achaques frequentemente relatados por aqueles que já viviam essa fase. E com essa convicção fui ultrapassando as décadas cumprindo os rituais próprios de cada uma, sem perceber as alterações que o tempo vinha impondo ao meu organismo. O embranquecimento precoce dos cabelos, encarei como de caráter hereditário, assim como o concomitante início da calvície, prenunciada pelo avanço das famosas “entradas” – como se diz, “comendo pelas beiradas”.
               E lá ia eu, tranquilo, jogando meu futebol de fim de semana, tomando minha cervejinha dia sim, outro também, até que minha permanência em campo foi diminuindo de tempo, enquanto o intervalo entre as corvejadas e outras atividades, foi aumentando...

               Hoje, já montado nos sessenta, vou observando o surgimento daqueles achaques dos quais me julgava imune: Às vezes saio de casa e antes da primeira esquina volto para certificar-me de que fechei o portão da casa; já desprendo algum esforço para lembrar o nome daquele amigo do futebol, daquela atriz, daquele filme ou daquela música... Não raro me flagro nostálgico com saudade daqueles bons tempos, buscando cores, formas e perfumes tão diferentes dos atuais. É como nos versos finais da música “Bom Vaqueiro”, de João do Vale: “... Mestre Costa na fazenda/hoje só abre cancela/mocidade deixou ele/ele também deixou ela/a “veice” montou nele/ele desmontou da sela”.
               A ideia de escrever este texto, que espero não seja tomado por pessimista, me ocorreu após um pequeno acidente doméstico: estava eu agachado, reconectando os cabos do computador e periféricos (adoro este termo) ao estabilizador de força quando, ao terminar a hercúlea tarefa, no levantar, a coluna sofreu uma “meia trava” e fui de testa contra a parede sofrendo um pequeno corte, mas que provocou um sangramento desproporcional ao seu tamanho. Mas, também, nada que uma pressão com gaze e a aplicação de “merthiolate” e um “band-aid” transparente e respirável não tenham resolvido em dois tempos... Pelo menos meu processo de cicatrização ainda está bom!

*Tomei emprestado o termo “envelhescente”, do personagem Oto Mano, criado pelo jornalista Cláudio Barros.

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