Daniel Cariello**
O Pancho chegou ao Beirute já gritando.
- Desce a pinga de pequi!
Quando o Pancho pede a aguardente de pequi todo mundo já
espera algo de extraordinário. Da última vez ele subiu na mesa e recitou
Baudelaire em francês, sem nunca ter falado o idioma. É verdade que ninguém
sabe se declamou direito, pois o único a entender de França era o Otacílio, que
foi fã do Jordy. Como o Otacílio não contestou, a história entrou para o rol
das clássicas da Turma do Escorpião.
Outro episódio memorável foi quando o Pancho subiu na mesa
de sempre e anunciou estar montando uma chapa para disputar a presidência. Já
tinha dois nomes: Otacílio para chanceler, “pela vasta cultura internacional”,
e Ferreirinha para presidente. Ele, Pancho, seria o marqueteiro e eventualmente
cuidaria do caixa 2, se não aparecesse ninguém melhor. O trio começou ali mesmo
a traçar a plataforma de governo, mas foi interrompido pelo telefonema da
mulher do Ferreirinha, dizendo que tava na hora de ele voltar pra casa e que
passasse em um mercado pra comprar mortadela. Os planos de chegar ao poder
foram substituídos pelos de chegar voando em casa, pois a mulher do Ferreirinha
não era mole.
Mas o Pancho chegou ao Beirute gritando pela sua pinga e
todo mundo ficou na expectativa de ver o que ele ia aprontar. “Hoje tem
história”, pensou Leroi, esfregando as mãos.
Só que aquele dia ele estava estranho. Bebia com a mesma
voracidade, mas seu comportamento não era afetado pelo álcool. Meia garrafa
depois, estágio em que costuma ir à cozinha pedir um queijo bola pra equilibrar
na cabeça, parecia completamente sóbrio.
- Não é possível! – Pensou o Ferreirinha.
- O que será que houve? – Indagava-se a Aretuza.
- Abusou muito, agora não sente mais nada. – Vaticinou o
Otacílio.
Pancho já emendara a segunda garrafa e não demonstrava sinal
de embriaguez. A Turma do Escorpião estava inquieta. Se havia algum problema,
eram eles, os amigos mais próximos, que deviam fazer algo.
O Otacílio puxou conversa.
- Tá tudo bem? Cê tá precisando de alguma coisa? - Agora que
você perguntou, acho que estou sim. - Do quê? - Uma caixa de fósforos, palitos
longos.
Todo mundo estranhou, mas a solução era providenciá-la. O
Leroi fez um bate e volta em tempo recorde ao supermercado.
- Aqui a caixa.
Pancho matou a segunda garrafa de cachaça, subiu na mesa,
deu três saltos, acendeu um fósforo e o engoliu, causando uma explosão
daquelas.
- Ó, agora eu sei voar, agora eu sei voar. – Gritava,
enquanto subia tão alto que nem conseguia escutar os aplausos da Turma do
Escorpião, emocionada como nunca.
*Texto originalmente publicado na revista Meiaum.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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