Ananda Sampaio
Teresina, aos
desinformados, capital do Piauí, geralmente associada às altas temperaturas
resistentes o ano todo. De uns anos pra cá, Teresina também é uma das capitais
do Brasil com maior índice de suicídios, especialmente entre jovens.
Se não me
falha a memória foi durante as aulas do curso de jornalismo que descobri que
havia uma convenção entre os jornalistas de que não se devia noticiar
suicídios. Então, me bateu a curiosidade: será que isso está formalizado no
código de ética? Não. A resposta era que noticiar suicídio era contagioso,
levaria pessoas propensas a se sentirem estimuladas. Alguns citavam a famosa
obra de Goethe, “Os sofrimentos do jovem Werther”, na qual o protagonista se
mata e que causou uma série de suicídios na Europa. Marco do romantismo.
Essa resposta
nunca me conformou, quando chegou o momento da monografia propôs o tema e, para
minha sorte, uma excelente professora topou me orientar. Antes de tudo, preciso
dizer que o fato de ter perdido em 2002 uma prima, que tinha 22 anos à época,
foi outra incógnita gigantesca que me impulsionou a essa busca. Por que alguém
jovem, alegre e sadio se mata? O que eu poderia ter feito e não fiz? Onde nós
todos erramos? Nós erramos? Por que ela desistiu? Será que não nos amava o
bastante?
Após tantas
investigações profissionais, científicas e, sobretudo, humanas, só encontrei
mais perguntas. E algumas constatações, se é que posso utilizar essa palavra,
enquanto existir tanto medo em dizer a palavra SUICÍDIO o problema não será
resolvido ou amenizado. Vamos ter que engolir cada vez mais mortes, cada vez
mais dor e incompreensão. Temos que quebrar o tabu, nos informarmos mais e
dissolver alguns preconceitos.
Tenho 30 anos
e já pensei em me matar. Muitas vezes deixei de encontrar sentido na vida e
lidar com minhas frustrações nunca foi fácil. Pronto, admiti. Em tempos de
redes sociais, quando vivemos a industrialização da felicidade, se declarar
alguém insatisfeito com a vida é quase um crime contra paz mundial. Converso muito
com meus amigos sobre esse sentimento, sobre essa possibilidade e pensamentos
que nos pegam muitas vezes de calças curtas.
Hoje quando
vinha no carro com meu marido, saindo de um trabalho e correndo no parco
horário do almoço para iniciar outro turno de trabalho ele me disse: “o
presente é um presente”. E eu perguntei se ele tinha visto essa frase pinchada
no muro do prédio do antigo colégio mérito e ele disse: “Foi não, foi no muro
ali, que acabamos de passar”. Já tinha visto essa frase dias antes na garupa da
moto do meu pai e nós dois ficamos dialogando sobre a profunda simplicidade
dela. Agora me dei conta de que pra quem vive na cidade de altos índices de
morte voluntária o presente é um presente.
Coincidentemente
ou não, no último mês três colegas jornalistas tiraram a própria vida. E outra
reflexão me abate. Numa cidade onde os veículos de comunicação são quase
feudos, pequenos habitats das famílias privilegiadas, onde há pressão, salários
baixos e pouca possibilidade de crescimento ou de afloramento, ser jornalista é
difícil. Digo de testemunho de quem está à beira de desistir da profissão. Já
senti na pele a instabilidade da profissão, a falta de oportunidades, o
engavetamento que sofremos, especialmente aqueles que não se adaptam, aqueles
que não se conformam, aqueles que pedem pra sair.
A transição
para a idade adulta é extenuante. Ainda mais quando se é um recém-formado em
busca de uma brecha no mercado de trabalho, cheio de sonhos e de desejos, que
com o tempo percebemos que são incongruentes com o modo de produção e com as
relações políticas e institucionais das empresas de comunicação.
“Vida, minha
vida, olha o quê que eu fiz. Deixei a fatia mais doce da vida na mesa dos
homens de vida vadia. Mas vida ninguém sabe, eu fui feliz” — agora entendo um
pouco do que Chico Buarque disse nessa letra. Todos os dias somos atropelados
pelo sentimento de angústia do tempo que gastamos tentando alcançar nossos
objetivos. Mas eles são nossos ou dos outros? É para mim o mestrado, o emprego
público, o casamento, o dinheiro? Ou tudo isso é apenas uma autoafirmação
diante dos outros? Bem sucedido não é aquele que ao final da vida acumulou e
tem seu nome escrito nos jornais, os títulos de nobreza? Ou é aquele que viveu
a vida como quis? Que desperdiçou com quem amou? Que amou, que ultrapassou e
que disse Não para todas as expectativas vazias do mundo materialista e
ilusório que habitamos?
Não sei se a
vida cabe nesse dualismo. O equilíbrio, o equilíbrio. A vida não cabe em lugar
nenhum, disso eu sei. Ah! Como sei.
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