quinta-feira, 10 de março de 2016

O SUICÍDIO E EU


Ananda Sampaio
Teresina, aos desinformados, capital do Piauí, geralmente associada às altas temperaturas resistentes o ano todo. De uns anos pra cá, Teresina também é uma das capitais do Brasil com maior índice de suicídios, especialmente entre jovens.
Se não me falha a memória foi durante as aulas do curso de jornalismo que descobri que havia uma convenção entre os jornalistas de que não se devia noticiar suicídios. Então, me bateu a curiosidade: será que isso está formalizado no código de ética? Não. A resposta era que noticiar suicídio era contagioso, levaria pessoas propensas a se sentirem estimuladas. Alguns citavam a famosa obra de Goethe, “Os sofrimentos do jovem Werther”, na qual o protagonista se mata e que causou uma série de suicídios na Europa. Marco do romantismo.
Essa resposta nunca me conformou, quando chegou o momento da monografia propôs o tema e, para minha sorte, uma excelente professora topou me orientar. Antes de tudo, preciso dizer que o fato de ter perdido em 2002 uma prima, que tinha 22 anos à época, foi outra incógnita gigantesca que me impulsionou a essa busca. Por que alguém jovem, alegre e sadio se mata? O que eu poderia ter feito e não fiz? Onde nós todos erramos? Nós erramos? Por que ela desistiu? Será que não nos amava o bastante?
Após tantas investigações profissionais, científicas e, sobretudo, humanas, só encontrei mais perguntas. E algumas constatações, se é que posso utilizar essa palavra, enquanto existir tanto medo em dizer a palavra SUICÍDIO o problema não será resolvido ou amenizado. Vamos ter que engolir cada vez mais mortes, cada vez mais dor e incompreensão. Temos que quebrar o tabu, nos informarmos mais e dissolver alguns preconceitos.
Tenho 30 anos e já pensei em me matar. Muitas vezes deixei de encontrar sentido na vida e lidar com minhas frustrações nunca foi fácil. Pronto, admiti. Em tempos de redes sociais, quando vivemos a industrialização da felicidade, se declarar alguém insatisfeito com a vida é quase um crime contra paz mundial. Converso muito com meus amigos sobre esse sentimento, sobre essa possibilidade e pensamentos que nos pegam muitas vezes de calças curtas.

Hoje quando vinha no carro com meu marido, saindo de um trabalho e correndo no parco horário do almoço para iniciar outro turno de trabalho ele me disse: “o presente é um presente”. E eu perguntei se ele tinha visto essa frase pinchada no muro do prédio do antigo colégio mérito e ele disse: “Foi não, foi no muro ali, que acabamos de passar”. Já tinha visto essa frase dias antes na garupa da moto do meu pai e nós dois ficamos dialogando sobre a profunda simplicidade dela. Agora me dei conta de que pra quem vive na cidade de altos índices de morte voluntária o presente é um presente.
Coincidentemente ou não, no último mês três colegas jornalistas tiraram a própria vida. E outra reflexão me abate. Numa cidade onde os veículos de comunicação são quase feudos, pequenos habitats das famílias privilegiadas, onde há pressão, salários baixos e pouca possibilidade de crescimento ou de afloramento, ser jornalista é difícil. Digo de testemunho de quem está à beira de desistir da profissão. Já senti na pele a instabilidade da profissão, a falta de oportunidades, o engavetamento que sofremos, especialmente aqueles que não se adaptam, aqueles que não se conformam, aqueles que pedem pra sair.
A transição para a idade adulta é extenuante. Ainda mais quando se é um recém-formado em busca de uma brecha no mercado de trabalho, cheio de sonhos e de desejos, que com o tempo percebemos que são incongruentes com o modo de produção e com as relações políticas e institucionais das empresas de comunicação.
“Vida, minha vida, olha o quê que eu fiz. Deixei a fatia mais doce da vida na mesa dos homens de vida vadia. Mas vida ninguém sabe, eu fui feliz” — agora entendo um pouco do que Chico Buarque disse nessa letra. Todos os dias somos atropelados pelo sentimento de angústia do tempo que gastamos tentando alcançar nossos objetivos. Mas eles são nossos ou dos outros? É para mim o mestrado, o emprego público, o casamento, o dinheiro? Ou tudo isso é apenas uma autoafirmação diante dos outros? Bem sucedido não é aquele que ao final da vida acumulou e tem seu nome escrito nos jornais, os títulos de nobreza? Ou é aquele que viveu a vida como quis? Que desperdiçou com quem amou? Que amou, que ultrapassou e que disse Não para todas as expectativas vazias do mundo materialista e ilusório que habitamos?
Não sei se a vida cabe nesse dualismo. O equilíbrio, o equilíbrio. A vida não cabe em lugar nenhum, disso eu sei. Ah! Como sei.

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