sábado, 14 de maio de 2016

PROVAVELMENTE*


Daniel Cariello**

Às quatro horas e quarenta e cinco do dia onze de maio de dois mil e dezesseis, no Largo do Machado, o cantor Marcelo Guima aumenta o som do amplificador, anuncia “essa fala de amor, tudo que precisamos nesses tempos” e solta o playback e a voz em um sucesso de novela. Um mendigo de casaco vermelho, sentado no chão, bate palmas e canta o refrão, como uma senhora sentada ao meu lado e um hypster bigodudo de bicicleta.
Às cinco em ponto, um cabeludo loiro começa a fazer bolhas gigantes de sabão, roubando a atenção das pessoas sentadas nos bancos do lugar. Marcelo Guima encerra a música e agradece ao público, sem resposta. O mendigo de vermelho acende um cigarro, perde o equilíbrio, cai, levanta novamente e então sai andando, pé ante pé, em linha perfeitamente torta. Uma das bolhas do loiro passa pelo indigente e explode nos cabelos grisalhos de um senhor de terno e pasta de couro, que não reclama, mas faz cara feia.
Às cinco e dez, o motorista de um dos muitos ônibus que têm o Largo como ponto final grita para o colega:
— E aí, vai cair ou não?
— É, rapaz, parece que agora vai...
Dois jovens debatem o fato mais importante não apenas do dia de hoje, mas da história recente do país.
— Outro golpe, isso é uma vergonha!
- Chegou a vez da nossa geração ir pras ruas.
O casal abraçado comemora.
— Chega dessa roubalheira, amor.
—Chega!
O avô dá explicações ao neto.
— Isso já aconteceu outras vezes no nosso país.
— Quando, vô?
São cinco e quinze do dia onze de maio de dois mil e dezesseis.
Daqui algumas horas, sem nenhum crime que o justifique, teremos destituído uma presidente. Provavelmente.
Daqui alguns dias, aconteça o que acontecer, os personagens dessa praça, o cantor, o mendigo, o fazedor de bolhas, os motoristas de ônibus, todos continuarão por aqui, cumprindo seus papéis de maneira competente. Provavelmente.
Daqui alguns anos, nos perguntaremos como pudemos deixar isso acontecer, mas a vida seguirá. Por fora, igual como sempre. Por dentro, tudo diferente. Provavelmente.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

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