Ananda Sampaio
O
que fazemos com a vida que recebemos? Alguns viram trapezistas, outros
bailarinos, mas a maioria assume posições um tanto quanto insossas a meu ver.
Tornam-se pessoas de negócios — preocupadas com o marketing, em ampliar seus
negócios, em figurarem as capas de revistas divulgando fórmulas para quem
deseja alcançar o tal sucesso. Há gente que apenas sonha com uma mais
tranquila, com mais coisas gostosas pra comer e outras mais divinas para ler.
Essa pessoa sou eu.
Admito
que sinto muitas vezes que me acovardo para a vida. Que assim é que o mundo nos
quer, mudos e sonolentos sacolejando dentro do ônibus ou de carros próprios.
Continuamente temendo as dívidas que costumam se multiplicar numa ligeireza
tenaz e tão pouco solícita. Tenho impressão que tornar-se adulto não é
desabrochar, mas estar apto a calcular seus dividendos e diluí-los em mais
coisas, que frequentemente não temos mais onde guardar.
Procuramos
uma vida mais estável, com um emprego mais seguro e um relacionamento menos
indolor, mesmo que seja à base de pílulas. Invenções científicas que nos deixam
mais plastificados do que os manequins de loja. Compra-se na farmácia sono,
sossego e um pouco de cegueira. Não queremos ver, porque ver é sentir e sentir
dói. Como faca amolada a entrar na carne sem dó nem piedade. Definitivamente a
existência não nos poupa, nos tritura. Sulcos e socos.
Economizamos
porque o futuro é incerto e temos que nos precaver. Sempre pensando que podemos
estar preparados para as desconexões que acontecem — as rupturas que nos
solapam e mostram que nossos planos nunca foram previsíveis. Acreditar que a
vida é previsível é atestar sua própria loucura.
No
entanto, a insanidade nos persegue, mas costuma ter ares disfarçados pela
cirurgia plástica, pelo aparente equilíbrio, pela aparente vida que vendemos
aos outros, mas que, de fato, não vivemos. Envergonhamo-nos do coração de louça
que temos. E isso, pra mim, é nosso maior devaneio e injúria. Organizemos então
um atentado ao pudor, que nos despudore de nossa mais tenra humanidade.
Sou
covarde quando me acostumo com uma vida que não me satisfaz. É como se abrigar
debaixo de um teto cheio de goteiras porque não quero me molhar na chuva. Tenho
medo de ser criança e compassadamente rejeito a criança que existe em mim todos
os dias, ponho meus acessórios e finjo que sou um adulto que tem tudo sob
controle. Quando tudo que eu queria era andar descalça, como um moleque a
soltar pipa.
Não
controlo minha tristeza, nem minhas frustrações, não consigo prender em minhas
mãos a minha própria liberdade, porque tenho a leve concepção de que nunca a
concebi realmente. Ela está presa e junto a ela estou eu também. Liberdade,
nome feminino, mas tinha que ser nome de mulher.
*Jornalista, estudante de Letras, leitora e aspirante (suspirante) escritora. Integrante do@coletivoleituras
*Jornalista, estudante de Letras, leitora e aspirante (suspirante) escritora. Integrante do@coletivoleituras
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