domingo, 12 de junho de 2016

LIBERDADE, NOME DE MULHER.


Ananda Sampaio

               O que fazemos com a vida que recebemos? Alguns viram trapezistas, outros bailarinos, mas a maioria assume posições um tanto quanto insossas a meu ver. Tornam-se pessoas de negócios — preocupadas com o marketing, em ampliar seus negócios, em figurarem as capas de revistas divulgando fórmulas para quem deseja alcançar o tal sucesso. Há gente que apenas sonha com uma mais tranquila, com mais coisas gostosas pra comer e outras mais divinas para ler. Essa pessoa sou eu.
               Admito que sinto muitas vezes que me acovardo para a vida. Que assim é que o mundo nos quer, mudos e sonolentos sacolejando dentro do ônibus ou de carros próprios. Continuamente temendo as dívidas que costumam se multiplicar numa ligeireza tenaz e tão pouco solícita. Tenho impressão que tornar-se adulto não é desabrochar, mas estar apto a calcular seus dividendos e diluí-los em mais coisas, que frequentemente não temos mais onde guardar.
               Procuramos uma vida mais estável, com um emprego mais seguro e um relacionamento menos indolor, mesmo que seja à base de pílulas. Invenções científicas que nos deixam mais plastificados do que os manequins de loja. Compra-se na farmácia sono, sossego e um pouco de cegueira. Não queremos ver, porque ver é sentir e sentir dói. Como faca amolada a entrar na carne sem dó nem piedade. Definitivamente a existência não nos poupa, nos tritura. Sulcos e socos.
               Economizamos porque o futuro é incerto e temos que nos precaver. Sempre pensando que podemos estar preparados para as desconexões que acontecem — as rupturas que nos solapam e mostram que nossos planos nunca foram previsíveis. Acreditar que a vida é previsível é atestar sua própria loucura.
               No entanto, a insanidade nos persegue, mas costuma ter ares disfarçados pela cirurgia plástica, pelo aparente equilíbrio, pela aparente vida que vendemos aos outros, mas que, de fato, não vivemos. Envergonhamo-nos do coração de louça que temos. E isso, pra mim, é nosso maior devaneio e injúria. Organizemos então um atentado ao pudor, que nos despudore de nossa mais tenra humanidade.
               Sou covarde quando me acostumo com uma vida que não me satisfaz. É como se abrigar debaixo de um teto cheio de goteiras porque não quero me molhar na chuva. Tenho medo de ser criança e compassadamente rejeito a criança que existe em mim todos os dias, ponho meus acessórios e finjo que sou um adulto que tem tudo sob controle. Quando tudo que eu queria era andar descalça, como um moleque a soltar pipa.
               Não controlo minha tristeza, nem minhas frustrações, não consigo prender em minhas mãos a minha própria liberdade, porque tenho a leve concepção de que nunca a concebi realmente. Ela está presa e junto a ela estou eu também. Liberdade, nome feminino, mas tinha que ser nome de mulher.
*Jornalista, estudante de Letras, leitora e aspirante (suspirante) escritora. Integrante do@coletivoleituras


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