Daniel Cariello**
Estávamos
na porta de Christiania, a célebre cidadela hippie de Copenhaguen, onde
artistas, vagabundos, poetas, marginais, traficantes, hippies e todo tipo de
alternativo convivem harmonicamente há 40 anos como se o sonho sessentista de
paz & amor & drogas nunca tivesse deixado de existir.
Antes
de passarmos a barreira, lembrei-me do aviso de um amigo: “Velho, Christiania é
um mundo paralelo. Ali você acessa uma outra dimensão, uma realidade muito
diferente da nossa. Não é pra iniciantes, fica ligado”.
Entramos
um pouco apreensivos e prendemos o ar. Mas logo percebemos que meu amigo havia
exagerado. Tudo parecia completamente normal. O céu era esverdeado, como em
qualquer lugar do mundo. E a chuva de purpurinas em forma de coração não era
forte o bastante para incomodar. É verdade que estranhei um pouco um sujeito
vestido de Charles Chaplin que andava plantando bananeira, mas o cachorro rosa
ao meu lado me tranquilizou, garantindo que o cidadão só caminhava daquele
jeito porque se sentia um pouco indisposto.
Na
rua principal, comerciantes de alimentos e plantas ali mesmo produzidos
dividiam espaço com enormes placas informando que era proibido tirar fotos e
tocar balalaika. Fiquei tão absorto lendo o informe que quase fui atropelado
por um elefante distraído. Não posso reclamar, a culpa era minha, eu estava
fora da faixa e não respeitei a preferência do bicho.
Um
pouco mais à frente, um pequeno palco recebia uma banda cover de Black Sabbath.
A música estava boa, mas por que um dos músicos estava tocando com uma cadeira
de balanço no lugar da guitarra? Comentei o fato com um carinha ao meu lado e
ele não sabia a razão. O engraçado é que ele era a cara do Ozzy Osbourne. Não
só ele, aliás, mas todas as outras pessoas da platéia. Teve um momento em que
todo mundo se virou pra mim, fez o símbolo do heavy metal e gritou um sonoro
“yeah!”. Eu berrei um “yeah!” de volta. Daí foi um pulo pra cantarmos Paranoid
em coro.
Continuamos
nossa peregrinação pelo lugar, sempre tomando cuidado para desviar das poças de
areia movediça e dos malditos aviões que insistiam em passar dando rasantes nas
nossas cabeças, e chegamos a uma lagoa. Era linda, com suas margens gramadas,
sua pequena ponte ligando a uma ilhota e suas águas amarelinhas, de onde saltavam
dezenas de peixes e torradeiras. Paramos uns minutos pra relaxar e aproveitar a
paisagem.
Cansados
da peregrinação, decidimos que o momento da cerveja era chegado. Entramos em um
bar curioso, pois havia gelatina no lugar do chão e a única maneira de se
locomover era saltando. Entre um pulo e outro, consegui entrar em fase com um
ciclope e perguntei como fazia pra descolar uma bebida. “Nada de mais simples”,
ele disse. “Basta entrar naquela fila ali e recitar um ou dois trechos de
Goëthe, em alemão”. Escolhi meus preferidos, soltei a voz e solicitei três
Carlsberg.
Cervejas
acabadas, resolvemos ir embora. Embarcamos na nave estacionada em frente ao bar
e eu disse ao comandante Jimi Hendrix o endereço do nosso hotel. Consternado,
ele explicou que só poderia nos levar até a fronteira da cidadela, não tinha
autorização de passar daquele limite.
É
claro que aceitamos a carona de bom grado. Jimi nos deixou na entrada, apertou
nossas mãos, tocou fogo na nave e se mandou. Cruzamos a porta de Christiania e
soltamos o ar. Ali tivemos certeza de que meu amigo havia inflacionado seu
recito, pois aquele lugar nos pareceu muito normal. Pode perguntar pra Janis
Joplin, pro Jim Morrison, pro Andy Wharol, pro Raul Seixas ou pro Timothy
Leary, que estavam o tempo todo com a gente.
Ps: Essa página, antes chamada
Cartas da Guanabara, agora foi renomeada para "Daniel Cariello -
Escritor". Continuará abrigando as crônicas cariocas
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br, mas agora também outros textos do autor.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br, mas agora também outros textos do autor.
Um comentário:
Adorei, como sempre, o Blogger! Manoel Andante
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