Daniel Cariello*
A Anabele jamais foi a feliz proprietária de um aparelho
celular. Não falo nem do último grito em smartphone, cheio de câmeras, mas do
modelo clássico mesmo, um desses tijolões do milênio passado, com tela
monocromática e teclas de borracha. Nunca teve.
Quando a Anabele me contou, eu achei a história tão
improvável que sugeri a enviarmos para os jornais. Sabe o que ela disse? “Deus
me livre, moço. Eu quero é tranquilidade!”. Argumentei que se ela fosse para a mídia, todos os
fabricantes de smartphone iriam contatá-la para oferecer seus mais novos
lançamentos, gratuitamente. “Ocê tá é louco”, repeliu a proposta, com sotaque e
sem dó.
A verdade é que fiquei fascinado com
o mundo desconectado da Anabele. Não é totalmente analógico porque ela, como
quase todo mundo, utiliza computador no trabalho e em casa. Mas, depois que
cruza as portas de saída, está desplugada e inalcançável.
Enquanto a escutava, lembrei-me de
quando era criança e sumia de bicicleta com o Nílton, por uma Brasília ainda
sendo ocupada. A gente pegava uns caminhos cheios de mato e pedra, passava por
um buraco em uma cerca e chegava ao Parque da Cidade, minha mais longínqua
fronteira infantil.
Esse passeio era para mim a melhor
tradução de liberdade. Às vezes, parávamos em uma amoreira ou goiabeira, para
comer fruta no pé. E juntávamos as moedas dos fundos dos bolsos para dividir um
caldo de cana, antes de pegarmos a ladeira que nos levava de volta para casa.
Eu pensava nisso tudo ao mesmo tempo
em que Anabele defendia as vantagens de uma vida desligada. Voltei bruscamente
para a realidade quando meu telefone vibrou no bolso e derrubou da bicicleta
dos meus devaneios o Daniel criança.
A Anabele, que não tem celular,
decerto não conhece a angustiante sensação do telefone vibrando no bolso. Mas
eu não responderia àquele chamado. Precisava ficar concentrado, porque estava
certo que em algum momento a Anabele cruzaria um portal dimensional para um
mundo inteiramente analógico, e eu não queria perder a carona.
Mas a Anabele não cruzou portal
algum. E continuamos pela mesma rua, conversando, eu querendo saber como era
mesmo essa vida, que já nem me recordava mais. Como ela fazia para se encontrar
com os outros? “Combino pelo telefone fixo, uai”. E para chegar em um lugar?
“Anoto o endereço num pedaço de papel”. E se estiver na rua e desejar falar com
alguém? “Vejo o número na minha agenda e ligo do orelhão, sô”.
Paramos no ponto de ônibus, ela
acenou para o que passava, subiu, deu tchau, sumiu. Eu entrei no metrô,
pensando nessa história e em como seria bom me desplugar um pouco. Tirei o
iPhone do bolso, abri um app, anotei a ideia no bloco de notas, coloquei uma
música no Spotify e fiquei matutando a respeito, vendo passar as estações.
*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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