Daniel Cariello*
“Zona
de amenaza”, está escrito em espanhol na placa. A frase vem embaixo de um
triângulo amarelo com a forma de uma onda vazada em preto. A tradução em inglês
surge logo depois, “hazard zone”. Mas não é preciso ser servido em Cervantes ou
dar dicas de Dickens para entender o risco daquela área, pois a palavra que vem
a seguir é a mais universal da língua japonesa: tsunami.
A
placa está localizada em Valparaíso, cidade litorânea do Chile, país conhecido
pelas empanadas e pelo vinho, mas também pelos terremotos, que ameaçam causar
tsunamis na costa do país.
Os
três clichês se justificam. Não preciso me alongar sobre as empanadas e os
vinhos, deliciosos. E também não vou discorrer sobre terremotos, meu
conhecimento sobre o assunto é pouco teórico e muito fantástico. Resume-se aos
filmes da Sessão da Tarde, onde tudo treme e todo mundo é engolido, menos o
mocinho, que se safa pulando nos pedaços do chão se desfazendo.
Os
fronteiriços argentinos reivindicam a primazia em empanadas e vinhos, mas
deixam os terremotos para os chilenos. Espera-se um de proporções
hollywoodianas para um futuro relativamente próximo. Enquanto se organiza para
encarar o monstro, o Chile vai lidando com tremores menores, que o fazem
avançar lentamente sobre o Oceano Pacífico. Os argentinos provocam, dizendo que
são eles empurrando o Chile para o mar. E os chilenos revidam, assegurando que
não é tão mal, pois assim vão gradualmente ficando “algunos centímetros más lejos
de los argentinos”.
Uma
outra placa estava próxima à primeira. “Via de evacuación - Tsunami -
Evacuation route” era o texto. Os desenhos eram dois. Um trazia uma onda
quebrando em uma rampa e um bonequinho saltando do mar para a terra firme, qual
um messias caminhando sobre as águas. O outro era de uma seta apontando pra
frente. Se a onda chegar, essa é a rota de fuga.
Acontece
que esse caminho segue por uma colina apinhada de moradias, imagem que lembra
uma favela carioca, porém sem barracos. Algumas casas são grandes, outras
pequenas. Umas verdes, outras vermelhas. Umas térreas, outras sobrados. Umas
têm vista para o Pacífico, outras também. Uma é do Neruda, todas as outras não.
La
Sebastiana é o nome da morada do poeta Pablo Neruda em Valparaíso. Sua segunda
casa, em Santiago, foi batizada La Chascona. E a de El Quisco, onde ele se
refugiava para escrever, Isla Negra. Ideia de poeta, essa de apelidar vivendas.
Em La Sebastiana, ele gostava de assistir aos fogos de réveillon pipocarem pela
encosta. E de apreciar a imensidão do oceano, enquanto o novo habitáculo ia-se
erguendo aos poucos.
“...essa é a casa:
tudo o que lhe falta será azul,
agora só precisa de florir.
E isso é trabalho para a
primavera”
Foi o que escreveu Pablo Neruda,
testemunhando o Pacífico azul preencher as janelas da vivenda na qual viria a
passar muitos anos, em meio a um verdadeiro tsunami, porém poético.
*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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