sábado, 15 de junho de 2019

ZONA DE AMENAZA



Daniel Cariello*

                “Zona de amenaza”, está escrito em espanhol na placa. A frase vem embaixo de um triângulo amarelo com a forma de uma onda vazada em preto. A tradução em inglês surge logo depois, “hazard zone”. Mas não é preciso ser servido em Cervantes ou dar dicas de Dickens para entender o risco daquela área, pois a palavra que vem a seguir é a mais universal da língua japonesa: tsunami.

                A placa está localizada em Valparaíso, cidade litorânea do Chile, país conhecido pelas empanadas e pelo vinho, mas também pelos terremotos, que ameaçam causar tsunamis na costa do país.

                Os três clichês se justificam. Não preciso me alongar sobre as empanadas e os vinhos, deliciosos. E também não vou discorrer sobre terremotos, meu conhecimento sobre o assunto é pouco teórico e muito fantástico. Resume-se aos filmes da Sessão da Tarde, onde tudo treme e todo mundo é engolido, menos o mocinho, que se safa pulando nos pedaços do chão se desfazendo.

                Os fronteiriços argentinos reivindicam a primazia em empanadas e vinhos, mas deixam os terremotos para os chilenos. Espera-se um de proporções hollywoodianas para um futuro relativamente próximo. Enquanto se organiza para encarar o monstro, o Chile vai lidando com tremores menores, que o fazem avançar lentamente sobre o Oceano Pacífico. Os argentinos provocam, dizendo que são eles empurrando o Chile para o mar. E os chilenos revidam, assegurando que não é tão mal, pois assim vão gradualmente ficando “algunos centímetros más lejos de los argentinos”.

                Uma outra placa estava próxima à primeira. “Via de evacuación - Tsunami - Evacuation route” era o texto. Os desenhos eram dois. Um trazia uma onda quebrando em uma rampa e um bonequinho saltando do mar para a terra firme, qual um messias caminhando sobre as águas. O outro era de uma seta apontando pra frente. Se a onda chegar, essa é a rota de fuga.

                Acontece que esse caminho segue por uma colina apinhada de moradias, imagem que lembra uma favela carioca, porém sem barracos. Algumas casas são grandes, outras pequenas. Umas verdes, outras vermelhas. Umas térreas, outras sobrados. Umas têm vista para o Pacífico, outras também. Uma é do Neruda, todas as outras não.

                La Sebastiana é o nome da morada do poeta Pablo Neruda em Valparaíso. Sua segunda casa, em Santiago, foi batizada La Chascona. E a de El Quisco, onde ele se refugiava para escrever, Isla Negra. Ideia de poeta, essa de apelidar vivendas. Em La Sebastiana, ele gostava de assistir aos fogos de réveillon pipocarem pela encosta. E de apreciar a imensidão do oceano, enquanto o novo habitáculo ia-se erguendo aos poucos.

“...essa é a casa:
tudo o que lhe falta será azul,
agora só precisa de florir.
E isso é trabalho para a primavera”

Foi o que escreveu Pablo Neruda, testemunhando o Pacífico azul preencher as janelas da vivenda na qual viria a passar muitos anos, em meio a um verdadeiro tsunami, porém poético.
*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br






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