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| Vimana - veículo voador mitológico descrito na literatura hindu. |
Daniel Cariello**
Ali
pelo alto dos meus cinco anos de idade, meu avô e eu bolamos um invento que
poderia mudar a história da humanidade: o helivete. Um meio de transporte
revolucionário, mistura de helicóptero, avião e foguete. Maravilha tecnológica
pensada em uma daquelas lentas tardes analógicas de domingo que passávamos na
casa onde os pais do meu pai moravam.
Criamos
o helivete para podermos viajar da casa do meu avô até a lua, sem escalas. E
assim matar o tédio antes do início dos Trapalhões. Mas a invenção poderia ter
outras utilidades, como ir à escola (o André Bolinha morreria de inveja me
vendo pousá-la no campinho) ou levar a família para um dia na praia.
Pensamos
em todos os detalhes, sabíamos direitinho como funcionaria. Após a decolagem, a
fuselagem do helicóptero se transmutaria na de um avião, em pleno vôo. As
hélices seriam recolhidas e substituídas por potentes turbinas.
Depois,
as asas do avião se encolheriam sobre o corpo e diminuiriam de tamanho ao mesmo
tempo que a aeronave acelerava, até desaparecerem completamente quando entrasse
em órbita, já em forma de foguete. Na hora de retornar à Terra, bastava fazer
todo o processo ao contrário. Nada mais simples.
A
ideia estava pronta, inteirinha criada, com vários desenhos coloridos
ilustrando cada um dos passos, feitos à mão pela dupla inventora do helivete.
Mas meu avô era advogado e eu, aos cinco anos, ainda não tinha autorização para
manipular a chave de fenda. Então concordamos que a execução deveria ficar para
alguém qualificado para a tarefa. De preferência que montasse tudo em um
domingo (queríamos acompanhar a construção) e não demorasse muito (queríamos
fazer o voo inaugural antes de escurecer, porque eu tinha aula na manhã
seguinte).
Havia,
entretanto, um grave problema: ao mesmo tempo que precisávamos de ajuda, não
podíamos comentar da invenção com ninguém. Aquela era nossa ideia e morríamos
de medo que alguém a roubasse. E se o projeto caísse nas mãos do André Bolinha
e ele construísse a máquina antes de mim e aterrissasse de foguete no campinho
da escola, ao lado do avô? Seria um pesadelo!
Assim,
fomos falando cada vez menos do helivete, talvez esperando encontrar alguém de
confiança com quem pudéssemos tratar do projeto, talvez aguardando que eu
crescesse e conseguisse montar nosso tudo-em-um voador, talvez esperando que
meu avô fizesse treze pontos na loteria esportiva e pudesse trocar o gabinete
de advogado por uma oficina mecânica espacial toda equipada.
Mas
aí a infância se foi. A vontade de ser engenheiro se foi. O meu avô se foi. E
até hoje ninguém pensou em algo parecido com o helivete, o que considero uma
verdadeira lástima para toda a humanidade. Mas se alguém aí tiver interesse em
financiar o projeto, podemos marcar uma conversa em local sigiloso. Acho que
ainda tenho os desenhos guardados em algum lugar.
* A partir dessa semana – 26/08/2019, minhas crônicas também serão
publicadas no Diário do Rio, um jornal 100% online sobre a Cidade Maravilhosa.
** Daniel Cariello é escritor. Foi
cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista
Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,

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