Daniel
Cariello*
No ensaio, parei de trocar a
corda da guitarra para anunciar:
— Achei um nome para a nossa
banda: Nirvana!
— Nir o quê?
— Nirvana. É um estado de paz
absoluto, atingido com muita meditação.
— Mas nós somos uma banda de
rock…
— Por isso mesmo. Percebe o
contraste? O público espera calma e vamos levar agitação.
— Demais! Vamos estourar, com
certeza!
Pois
bem, posso então afirmar que toquei no Nirvana. Fui guitarrista entre 1991 e
1992, quando a minha banda, em Brasília, teve esse nome. Talvez impulsionados
pela mística alcunha, fizemos shows transcendentais, como o da Feira de Música.
Ali, tocamos a melhor versão do nosso hit nunca estourado A Guerra e a Vida,
com épicos solos de guitarra e teclado, e uma cover fiel de Light My Fire,
recorrente nas nossas apresentações. Está tudo registrado em um VHS, que
revimos com orgulho até quase gastar a fita.
Tudo
estava indo bem demais, até o Quim chegar com a má notícia, no ensaio, enquanto
procurava um timbre no teclado:
— Moçada, vamos ter que abandonar o nome.
— Tá louco? Nirvana é perfeito.
— Já tem outro grupo que usa.
— Em Brasília?
— Em Seattle, nos Estados Unidos.
— Estados Unidos? Relaxa, tem
muita banda lá, essa nunca vai chegar ao Brasil.
— Tá todo mundo falando bem. Já
já estouram por aqui.
— Até parece. Vamos manter! Nós
somos o Nirvana, de Brasília. Eles que mudem.
Poucas
semanas depois, Smells Like Teen Spirit, faixa de trabalho do álbum Nevermind,
do Nirvana americano, tomou as rádios e a MTV, tornando-se não apenas um dos
grandes hits de 1992, mas provavelmente a canção mais importante do rock dos
últimos 30 anos. E os flanelados de Seattle passaram a ditar os novos rumos do
gênero, então dominado por grupos com muito laquê no cabelo e poucas ideias na
cabeça.
Ficamos
putos. Achávamos nossas músicas melhores do que as deles, A Guerra e a Vida
deixava Smells Like Teen Spirit no chinelo. E a letra ainda trazia mensagens
como “a vida não foi feita somente para morrer”, que nunca soubemos direito o
que significava, talvez porque não quisesse dizer nada mesmo. Mas infelizmente
os ianques chegaram na frente e garantiram a posse definitiva do nome Nirvana.
Entramos
em profunda crise de identidade, ensaiando deprimidos, até um dia o André
levantar a cabeça e declarar, com olhos brilhantes, a revelação que acabara de
ter:
— Já sei! Já sei! Vamos nos
chamar Oásis.
— Oásis? Parece bom!
— Parece? É ótimo! Seremos um
oásis de boa música nesse deserto de ideias do rock atual, onde todo mundo
agora quer parecer com esses usurpadores do Nirvana americano.
— Mas... será que não tem outra
banda com o mesmo nome?
— Claro que não. Você consegue
imaginar um grupo inglês, por exemplo, chamado Oásis?
— Não mesmo, tem razão. Vamos
nessa!
— Bora. Aproveitando, deixa eu mostrar pra vocês uma mudança
que pensei para A Guerra e a Vida...
* Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br
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