segunda-feira, 7 de outubro de 2019

SMELLS LIKE TEEN SPIRIT



Daniel Cariello*

No ensaio, parei de trocar a corda da guitarra para anunciar:
— Achei um nome para a nossa banda: Nirvana!
— Nir o quê?
— Nirvana. É um estado de paz absoluto, atingido com muita meditação.
— Mas nós somos uma banda de rock…
— Por isso mesmo. Percebe o contraste? O público espera calma e vamos levar agitação.
— Demais! Vamos estourar, com certeza!
                Pois bem, posso então afirmar que toquei no Nirvana. Fui guitarrista entre 1991 e 1992, quando a minha banda, em Brasília, teve esse nome. Talvez impulsionados pela mística alcunha, fizemos shows transcendentais, como o da Feira de Música. Ali, tocamos a melhor versão do nosso hit nunca estourado A Guerra e a Vida, com épicos solos de guitarra e teclado, e uma cover fiel de Light My Fire, recorrente nas nossas apresentações. Está tudo registrado em um VHS, que revimos com orgulho até quase gastar a fita.
                Tudo estava indo bem demais, até o Quim chegar com a má notícia, no ensaio, enquanto procurava um timbre no teclado:
— Moçada, vamos ter que abandonar o nome.
— Tá louco? Nirvana é perfeito.
— Já tem outro grupo que usa.
— Em Brasília?
— Em Seattle, nos Estados Unidos.
— Estados Unidos? Relaxa, tem muita banda lá, essa nunca vai chegar ao Brasil.
— Tá todo mundo falando bem. Já já estouram por aqui.
— Até parece. Vamos manter! Nós somos o Nirvana, de Brasília. Eles que mudem.
                Poucas semanas depois, Smells Like Teen Spirit, faixa de trabalho do álbum Nevermind, do Nirvana americano, tomou as rádios e a MTV, tornando-se não apenas um dos grandes hits de 1992, mas provavelmente a canção mais importante do rock dos últimos 30 anos. E os flanelados de Seattle passaram a ditar os novos rumos do gênero, então dominado por grupos com muito laquê no cabelo e poucas ideias na cabeça.
                Ficamos putos. Achávamos nossas músicas melhores do que as deles, A Guerra e a Vida deixava Smells Like Teen Spirit no chinelo. E a letra ainda trazia mensagens como “a vida não foi feita somente para morrer”, que nunca soubemos direito o que significava, talvez porque não quisesse dizer nada mesmo. Mas infelizmente os ianques chegaram na frente e garantiram a posse definitiva do nome Nirvana.
                Entramos em profunda crise de identidade, ensaiando deprimidos, até um dia o André levantar a cabeça e declarar, com olhos brilhantes, a revelação que acabara de ter:
— Já sei! Já sei! Vamos nos chamar Oásis.
— Oásis? Parece bom!
— Parece? É ótimo! Seremos um oásis de boa música nesse deserto de ideias do rock atual, onde todo mundo agora quer parecer com esses usurpadores do Nirvana americano.
— Mas... será que não tem outra banda com o mesmo nome?
— Claro que não. Você consegue imaginar um grupo inglês, por exemplo, chamado Oásis?
— Não mesmo, tem razão. Vamos nessa!
— Bora. Aproveitando, deixa eu mostrar pra vocês uma mudança que pensei para A Guerra e a Vida...

Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

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