A. J. de O. Monteiro
Logo
após tornar-se independente do Império do Brasil a então Província Cisplatina
constituiu a República Oriental do Uruguai tendo sua política conduzida por
dois partidos: O partido Blanco da família Oribe e o partido Colorado do clã
Rivera. Esses dois partidos revezaram-se no poder por anos a fio, na verdade
por quase século e meio. As disputas ocorriam através de lutas sangrentas entre
os dois; ou seja, quando um estava no poder o outro conspirava para derrubá-lo.
O povo era induzido a apoiar um ou outro, não através do convencimento, mas por
meio da coerção e da perseguição sob a sentença: “se não estás comigo estás
contra mim”. E tome porrada no povo. Nesse cenário intransigente, no curso do final
da segunda década do século passado, deu-se a seguinte história:
“Sob
o sol escaldante do verão cisplatino, naqueles pampas uruguaios, caminhava um
humilde gaucho** voltando da roça para sua casa. Resolvera abreviar a lide na
metade da tarde em virtude do calor que, naquele dia, beirava, os 40ºC. Ia em
passos lentos apreciando a beleza daquela planície que amava... Relva a perder
de vista com uma e outra árvore de grande porte a quebrar a monotonia...
Observava os pequenos animais rasteiros e as aves que povoavam abundantemente o
lugar, e aos quais conhecia quase à intimidade. Antegozava a surpresa da mulher
e dos filhos em vê-lo chegar em casa mais cedo que o costume.
Abstraído
do mais do mundo seguia quando o silêncio e seus devaneios foram interrompidos
pelo ruído de um tropel. Parou, lançou o olhar para o horizonte e viu, em
imagem tremida pelo vapor que subia da terra abrasada, uma tropa com
estandartes ao vento vindo em sua direção... Prosseguiu sem temor na certeza
que nada de errado fizera desde que nascera. A frente do pelotão o comandante,
montado em belo cavalo branco, estancou na sua frente e, apontando-lhe o
‘rebenque’, pergunta:
—
Entonces, gaucho, eres Blanco o Colorado?
—
Yo soy blanco, mi capitan!
—
Estas perdido, gaucho, nosotros somo
Colorados!
Chamou
o ordenança e entregando-lhe o ‘rebenque’ ordena: hombre, castíga-lo hasta que cambie de color...
Retomaram
a marcha deixando o desgraçado prostrado no chão, com as costas toda lanhada. O
pobre ficou ali, deitado e gemendo com o ouvido colado no chão até não mais
ouvir o tropel. Levantou-se e voltou a caminhar penosamente rumo a sua casa que
estava ainda um pouco distante. De repente sobressaltou-se ao ouvir novo
tropel. Olhou pra trás e nada viu; olhou pra frente e seu sangue gelou ao
vislumbrar nova expedição que se aproximava em cena semelhante àquela anterior
e tudo se deu de modo semelhante: o comandante, montado em vistoso cavalo alazão,
parou a sua frente e, de ‘rebenque’ apontado pergunta-lhe o que mais temia:
—
Diga-me, gaucho, eres Colorado o Blanco?
—
Yo
soy Colorado mi general!
— Para tu
desgracia, gaucho, nosotros somos Blancos!
Tomado
de ira o comandante chama o imediato, entrega-lhe o ‘rebenque’ ordenando: hombre, castiga-lo hasta que cambie de
color... E partiram deixando por terra, mais alquebrado ainda, o pobre
homem que nada daquela política mesquinha e cruel tinha conta. Reergueu-se mais
uma vez e mais penosamente ainda voltou a andar, desta vez com ajuda de um
galho à guisa de cajado. Pouco tempo caminhava – se arrastava, mais
precisamente – quando avistou uma outra patrulha se aproximando e certo de que
não resistiria a outra tunda, reuniu as forças que lhe restaram e subiu em uma
frondosa árvore (raridade naquela planície) e esperou a passagem da comitiva. E
esta já passava quando o último soldado da formação, a mando de não sei qual
‘espírito de porco’, olha para o alto da árvore e vê o pobre homem as duras
penas encarapitado num dos mais altos de seus galhos e grita: mira mi comandante, um hombre trepado em el
árbol! O comandante dá meia volta, para sob a copa, aponta o ‘rebenque’
para o alto e pergunta:
—
E usted aí trepado diga-me: eres Blanco o
Colorado?
— Ni Blanco ni
Colorado Generalíssimo, yo soy una fruta” ...
*adaptação de uma anedota que
ouvi nos meus tempos de ginasiano e que ultimamente vinha a memória
insistentemente, daí...
** todos os habitantes da região dos pampas
argentino, brasileiro(RS) e uruguaio

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