sexta-feira, 15 de novembro de 2019

ERES BLANCO O COLORADO?*


A. J. de O. Monteiro

                Logo após tornar-se independente do Império do Brasil a então Província Cisplatina constituiu a República Oriental do Uruguai tendo sua política conduzida por dois partidos: O partido Blanco da família Oribe e o partido Colorado do clã Rivera. Esses dois partidos revezaram-se no poder por anos a fio, na verdade por quase século e meio. As disputas ocorriam através de lutas sangrentas entre os dois; ou seja, quando um estava no poder o outro conspirava para derrubá-lo. O povo era induzido a apoiar um ou outro, não através do convencimento, mas por meio da coerção e da perseguição sob a sentença: “se não estás comigo estás contra mim”. E tome porrada no povo. Nesse cenário intransigente, no curso do final da segunda década do século passado, deu-se a seguinte história:
                “Sob o sol escaldante do verão cisplatino, naqueles pampas uruguaios, caminhava um humilde gaucho** voltando da roça para sua casa. Resolvera abreviar a lide na metade da tarde em virtude do calor que, naquele dia, beirava, os 40ºC. Ia em passos lentos apreciando a beleza daquela planície que amava... Relva a perder de vista com uma e outra árvore de grande porte a quebrar a monotonia... Observava os pequenos animais rasteiros e as aves que povoavam abundantemente o lugar, e aos quais conhecia quase à intimidade. Antegozava a surpresa da mulher e dos filhos em vê-lo chegar em casa mais cedo que o costume.
                Abstraído do mais do mundo seguia quando o silêncio e seus devaneios foram interrompidos pelo ruído de um tropel. Parou, lançou o olhar para o horizonte e viu, em imagem tremida pelo vapor que subia da terra abrasada, uma tropa com estandartes ao vento vindo em sua direção... Prosseguiu sem temor na certeza que nada de errado fizera desde que nascera. A frente do pelotão o comandante, montado em belo cavalo branco, estancou na sua frente e, apontando-lhe o ‘rebenque’, pergunta:
                — Entonces, gaucho, eres Blanco o Colorado?
                — Yo soy blanco, mi capitan!  
                — Estas perdido, gaucho, nosotros somo Colorados!     
                Chamou o ordenança e entregando-lhe o ‘rebenque’ ordena: hombre, castíga-lo hasta que cambie de color...
                Retomaram a marcha deixando o desgraçado prostrado no chão, com as costas toda lanhada. O pobre ficou ali, deitado e gemendo com o ouvido colado no chão até não mais ouvir o tropel. Levantou-se e voltou a caminhar penosamente rumo a sua casa que estava ainda um pouco distante. De repente sobressaltou-se ao ouvir novo tropel. Olhou pra trás e nada viu; olhou pra frente e seu sangue gelou ao vislumbrar nova expedição que se aproximava em cena semelhante àquela anterior e tudo se deu de modo semelhante: o comandante, montado em vistoso cavalo alazão, parou a sua frente e, de ‘rebenque’ apontado pergunta-lhe o que mais temia:
                — Diga-me, gaucho, eres Colorado o Blanco?
                —  Yo soy Colorado mi general!
                — Para tu desgracia, gaucho, nosotros somos Blancos!
                Tomado de ira o comandante chama o imediato, entrega-lhe o ‘rebenque’ ordenando: hombre, castiga-lo hasta que cambie de color... E partiram deixando por terra, mais alquebrado ainda, o pobre homem que nada daquela política mesquinha e cruel tinha conta. Reergueu-se mais uma vez e mais penosamente ainda voltou a andar, desta vez com ajuda de um galho à guisa de cajado. Pouco tempo caminhava – se arrastava, mais precisamente – quando avistou uma outra patrulha se aproximando e certo de que não resistiria a outra tunda, reuniu as forças que lhe restaram e subiu em uma frondosa árvore (raridade naquela planície) e esperou a passagem da comitiva. E esta já passava quando o último soldado da formação, a mando de não sei qual ‘espírito de porco’, olha para o alto da árvore e vê o pobre homem as duras penas encarapitado num dos mais altos de seus galhos e grita: mira mi comandante, um hombre trepado em el árbol! O comandante dá meia volta, para sob a copa, aponta o ‘rebenque’ para o alto e pergunta:
                — E usted aí trepado diga-me: eres Blanco o Colorado?
                — Ni Blanco ni Colorado Generalíssimo, yo soy una fruta” ...

*adaptação de uma anedota que ouvi nos meus tempos de ginasiano e que ultimamente vinha a memória insistentemente, daí...
** todos os habitantes da região dos pampas argentino, brasileiro(RS) e uruguaio

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