Daniel Cariello*
Eles
se conheceram na praia. Ele pediu emprestado o protetor solar e ela disse que
só estava autorizada a emprestar se o creme fosse aplicado pela passadora
oficial. Ele perguntou quem era e ela disse “eu mesma, prazer, Vavá”.
Ele
disse que não se chamava Vavá e ela respondeu que sabia, aliás, não sabia, mas
imaginava, pois Vavá era como ela se chamava. Ele falou seu nome, Sérgio, e
comentou que aquilo era engraçado, pois Vavá era o apelido de um ex-atacante da
seleção brasileira. Ela só conhecia o Neymar e encerrou o papo sobre futebol
perguntando se ele queria ou não o protetor com direito a aplicação grátis. Ele
queria.
Ela
era do tipo metódica: fazia pequenas bolinhas de creme pelas costas e ia
espalhando aos poucos, de cima para baixo. Ele reclamou da perigosa proximidade
com “essa parte aí embaixo”, que era como se referiu ao próprio bumbum. Ela nem
ligou e abaixou um pouquinho o calção dele, o suficiente para poder passar o
produto na fronteira entre a pele bronzeada e a branca.
Ele
começou a assobiar uma canção (ele preferia dizer “assobiar” a “assoviar”,
então eu apenas respeito sua vontade). Ela emendou uma melodia parecida. Ele
não se aguentou.
— Você conhece o Arnaldo
Baptista?
— Amodoro! (Ela dizia amodoro). Tenho
tudo. Inclusive aquele da capa no quarto, violão na mão, um véu voando.
— Eu gosto do dele no piano, foto
em preto e branco.
Ele,
ainda deitado, ficou muito contente de descobrir, assim, lado a lado na praia,
alguém que compartilhava seu gosto musical, apesar de não se lembrar desse
disco do quarto. Ela não escondia o sorriso enquanto aplicava o creme, com
ainda mais doçura, mas repassava sua coleção na cabeça e não via a capa com o
piano. Talvez precisassem esticar até a casa dele, ou a dela, pensaram juntos.
E propuseram ao mesmo tempo.
— E se a gente…
Eles
nem terminaram a frase e já se levantaram, arrumando cada um seu sacolão de
praia. Ele guardou o livro do Murakami. Ela colocou a revista Caras na bolsa.
“Não esquece o creme”, ele disse. “Pode ser útil”, ela respondeu. “Eu moro no
Flamengo”, ele falou. “E eu na Tijuca”, ela completou. Decidiram ir à casa
dele, mais perto.
Nem
bem chegaram, ele foi vasculhar a coleção de vinis, antes até de propor uma
bebida. Ou um beijo na boca. O que viesse primeiro. Pegou o álbum e mostrou à
Vavá.
— Quiéisso?
— Arnaldo Baptista, Singing Alone
— Não era Amado?
— Oi?
— Amado Batista, Vitamina e Cura.
Era disso que eu estava falando.
Ele
guardou o disco e perguntou se ela queria beber alguma coisa. Ela pediu suco.
Ele só tinha cerveja. Ela se lembrou que precisava ir, tinha uma festa de
aniversário. Ele se recordou que tinha combinado de ver o jogo do Flamengo com
o Bill. Despediram-se com um beijo no rosto. Ele ficou na janela, observando-a
se distanciar. Ela virou pra trás e viu. Ele fez um aceno tímido. Ela
lembrou-se que havia esquecido o protetor solar e pensou em voltar, mas, quando
olhou de novo, ele não estava mais lá.
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do Diário do Rio
* Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
* Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos.

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