"O QUE OCORRER COM A TERRA,
RECAIRÁ SOBRE OS FILHOS DA TERRA.
HÁ UMA LIGAÇÃO EM TUDO”.
RECAIRÁ SOBRE OS FILHOS DA TERRA.
HÁ UMA LIGAÇÃO EM TUDO”.
Tatanka Iyotake (Touro Sentado)
A. J. de O. Monteiro
Tendo
a imponência das Montanhas Rochosas como pano de fundo, já se aproximando de
segunda metade daquela tarde de calor escaldante, o cavaleiro, levemente
arqueado para frente, conduz sua montaria a passo. O chapéu de abas largas
protege seu rosto até um pouco abaixo dos olhos mortiços. A tez queimada,
contrastando com o azul dos olhos denuncia a vida levada a céu aberto.
Protege-o também um ensebado sobretudo que desce pelas gordas ancas do cavalo.
Da cintura pendem dois coldres com os colts
45 descobertos do sobretudo por precaução, pois transitava em território
indígena. Preso à sela o coldre de rifle com sua winchester totalmente municiada. Na bota, bordada a ferro quente,
uma faca Bowie com cabo de chifre de bisonte.
Parece
absorto, mas seus sentidos estão em permanente estado de atenção, tanto que, em
certo momento põe-se alerta ao ouvir um tropel, e rangidos de rodas. Apura a
visão no horizonte e vislumbra um comboio de carroções vindo, também
lentamente, em sua direção. Fica mais atento ainda pois sua experiência diz que
nada atrai mais os índios que caravanas de desbravadores – homens e mulheres,
com ou sem família que se largavam oeste afora, tangidos pela febre do ouro ou
da teoria do destino manifesto. Enquanto
passa, aparentemente alheio à caravana, o viajante solitário observa os
ocupantes dos carroções – são dez carroças, a maioria ocupada por casais jovens
e, pela balbúrdia e algum choro, percebeu que a algumas conduziam crianças em
seus interiores. Mas prosseguiu sem se deter. Deteve-se apenas ao emparelhar
com a última carroça, conduzida, da sua boleia, por um casal que ele considerou
atípico em relação aos demais. O condutor era um homem de meia idade, com cara
de maus bofes, tendo ao seu lado uma belíssima jovem caucasiana, de lindos
olhos azuis e bochechas bem rosadas, mas seus olhar era triste – estava vestida
de preto. Ele estanca o cavalo e dirige-se a ela:
— Para onde segue esta caravana,
jovem viúva?
— Não sou viúva, estranho, o luto
é por meu falecido pai... Este aqui ao lado, é meu marido.
— Não me contradiga – e com dois
tiros alveja o condutor, derrubando-o da boleia – agora você é viúva!
A
jovem atira-se da boleia para o pescoço do cavaleiro enlaçando-o e, cobrindo-o
de beijos, diz:
— Obrigado, estranho, por
livrar-me deste perverso marido. Tratava-me como traste. Não me dava nenhuma
atenção ou carinho, não me beijava, só se dirigia a mim com palavras ásperas e,
as vezes, me batia com o cinturão
— E ???
— Não, permaneço invicta...
— Pois assim vais permanecer...
Desvencilhando-se
dos seus braços deixa a jovem cair, esporeia o cavalo pondo-se em marcha sem se
voltar para ela. A mocinha, agora viúva, além de órfã, aos prantos observa o
cavalo e cavaleiro afastarem-se com a silhueta emoldurada pelo enorme e
vermelho disco solar que se punha no horizonte... Horizonte que, para seu
desespero, não iria fazer parte...
Ao
escurecer resolveu pernoitar à beira do rio. Desencilhou o cavalo, fez uma
fogueira para afastar animais noturnos e, usando a sela como travesseiro desceu
o chapéu sobre o rosto e dormiu tendo nas mãos cruzadas sobre o peito as duas
pistolas. Sabia que não seria atacados por índios pois eles só guerreavam sob a
proteção do Deus Sol. Acordou e
preparava o cavalo para reiniciar a jornada. O cavalo relinchou nervosamente e
ele ouviu a gritaria histérica de um grupo de guerreiros pintados para a guerra
que descia a encosta numa coluna, montados em seus velozes chitas, brandindo suas temidas machadinhas. De imediato fez o
cavalo deitar-se como proteção, deitou-se, sacou a winchester do coldre,
apontou a espingarda, esperou chegarem à distância propícia e disparou
derrubando cinco dos atacantes, mas não teve tempo de alvejar o sexto que
lançou-se sobre ele tentando atingi-lo com sua arma. O cowboy segurou com
firmeza o punho do bravo e com a mão livre – a direita – sacou sua Bowie, mas o oponente defendeu-se
segurando o ataque. E assim ficaram por um tempo, girando como se dançassem uma
valsa, até caírem no rio numa luta que mais parecia nado sincronizado: pés pra cima, cabeça pra baixo; cabeça
pra baixo, pés pra cima; pés pra baixo, cabeça pra cima; pés pra cima, cabeça
pra baixo, numa sequência entediante até que uma mancha vermelha tingiu a
superfície da água. O corpo do pele vermelha emergiu em decúbito dorsal e, após
alguns segundos, lentamente emerge, arfante e altaneiramente, o nosso herói que
puxa o corpo do selvagem para a margem do rio juntando-o ao corpo dos outros,
começando um macabro ritual de escalpelamento. Ao fim coloca os escalpos no alforje
juntando-os a dezenas de outros que fizera durante a jornada. Os escalpos serão
vendidos a estancieiros da região que o pagam muito bem, pois, para eles, índio bom é índio morto, conforme a
filosofia do exército americano.
Refeito
do embate retoma a cavalgada sem destino determinado. Já com o sol a pino cruza
com uma placa fincada no chão, com os dizeres: Welcome to Tombstone. Antes de entrar na cidade passeia por entre
os túmulos do cemitério – isso é um ritual que cumpre quando chega a uma cidade
desconhecida –lendo os nomes insculpidos nas lápides: Joaquim Murrieta, Jesse
James, Wyatt Earp e seus irmãos Virgil e Morgan, Doc Holliday e Billy The Kid.
Homens que gostaria de ter enfrentado para firmar sua fama no Velho Oeste...
Para, refletindo, e diz para si mesmo: “talvez tenha sido melhor não tê-los
encontrado” ... Uma brisa fazia rolar um sem número de tumbleweeds e levantava o fino pó daquele chão esturricado, que o
obrigou levantar o lenço do pescoço para o nariz.
Entra
na cidade e vai direto para a estrabaria onde é recebido por um velhinho de
figura cômica, que fala gesticulando nervosamente. Entrega o cavalo ao velhinho
recomendando um banho, uma escovada nos pelos e limpeza das ferraduras.
Queria-o pronto tão logo tomasse uns bons goles de whisky e fizesse uma
refeição decente, como não fazia há um bom tempo. Colocou os alforjes sobre o
ombro, pegou a winchester e seguiu para o saloon.
Entra no recinto empurrando as duas folhas da porta vai-e-vem que ficam
balançando ao som do rangido de suas velhas dobradiças. Fez silêncio. Todos
pararam, inclusive a pianola tocada por um janota de chapéu coco. Ouvia-se
apenas o batido firme do salto de suas botas no assoalho. Em segundos e apenas
com movimento dos olhos avaliou o ambiente e todos que ali estavam, memorizando
a posição de cada um, preparando-se para revidar qualquer ação hostil. Vai ao
balcão e pede ao barman uma dose
dupla, enquanto percebe que dois homens postam-se próximos a ele: um a sua
esquerda e o outro a direita. Não olha para eles. O barman coloca o whisky no balcão e o cowboy da direita, num gesto rápido pega o copo e toma a bebida de
um só gole, devolvendo o copo virado e com um sorriso desafiador nos lábios.
Ele não move um músculo. Pede outra dose e desta vez o da esquerda repete a
provocçaõ do primeiro... Num átimo ela saca as duas pistolas e com a da direita
acerta o homem a esquerda e com a esquerda o da direita. Os dois escorregam
pelo balcão, sem vida. Pelo espelho da parede frontal vê um terceiro homem
levando a mão ao coldre e, sem se virar, dispara por sobre o ombro atingindo o
facínora entre os olhos. O Bandido cai arrastando consigo a balaustrada andar
de cima do saloon, caindo com um
estrondo sobre a mesa onde quatro trapaceiros jogavam pocker. Volta-se para o centro do saloon com as duas pistolas em posição de tiro e olha
desafiadoramente para os presentes como se dissesse: “alguém mais se atreve”?
Todos correm atropeladamente rumo a porta enquanto o barman tenta pegar uma arma embaixo do balcão, mas, nervoso,
derruba uma garrafa fazendo-o voltar--se acertando-lhe o peito com um balaço.
Avisado
do tiroteio, entra no bar o juiz da cidade que se dirige a ele com um sorriso
de gratidão, dizendo:
— Obrigado forasteiro, você
livrou a cidade três dos piores elementos que comandam um bando de pistoleiros
a serviço de um rico fazendeiro que pretende dominar a região, expulsando
pequenos estancieiros e comerciantes, ameaçando e matando aqueles que ousam
resistir.
— Aqui não existe agente da lei?
— Não, os que nomeei ou foram
mortos ou fugiram com medo de morrer... Por isso ofereço-lhe o cargo... Por
favor, aceite...
Disse
isso e estendeu-lhe a estrela que trazia no bolso do paletó.
— Não sou de fincar raízes...
— fique, imploro, pelo menos para
esta missão...
Recebe
a estrela, mas ainda sem decidir, percebe um dos jogadores sacando da manga do
paletó uma derringer e num gesto
firme e veloz atira a estrela como se fora uma shuriken cravando duas pontas nos olhos do traiçoeiro meliante que,
urrando de dor atira para o alto derrubando o pesado lustre de madeira sobre si
mesmo, morrendo esmagado. A pequena multidão que voltara ao local aplaude
entusiasticamente aos gritos de FICA, FICA, FICA, juntando seus rogos ao do
juiz, comovendo o duro coração do cavaleiro que vai ao corpo do jogador,
arranca dos seus olhos estrela limpando o líquido viscoso na calça, espeta-a na
lapela esquerda do sobretudo, seguindo para a delegacia onde guarda
cuidadosamente o alforje com sua preciosa carga, tirando do armário duas
cartucheiras: uma com balas para winchester
e outra para os colts. Cruza as
cartucheiras diagonalmente no peito e sai para sua primeira e solitária
patrulha.
A
rua estava silenciosa e deserta, mas olhos curiosos observavam o agora sheriff caminhando atento a qualquer
ruído ou movimento. Nada escapava aos seus ouvidos e olhos treinados pela vida
aventureira. A leve brisa que soprava naquele momento não era, certamente,
responsável pela densa nuvem de poeira que se formava no horizonte. Um tropel
se fez ouvir e em seguida, por entre a nuvem, pode enxergar um grupo de
cavaleiros que ele estimou em trinta. Se aproximava rapidamente em enorme
algazarra e atirando para o alto – todas as janelas se fecharam. Ele esperou a
aproximação do bando com as pernas afastadas com a carabina pendendo
perpendicularmente em sua mão direita. O bando estancou a sua frente e aquele
que parecia ser o líder sorriu galhofeiramente, dizendo:
— Ora, ora, ora, sua excelência o
juiz arranjou mais um sheriff para
nossa diversão...
— Informo-lhes que a partir de
hoje está proibido circular armado no perímetro urbano desta cidade!
— Ora, ora, ora. Então venha nos
desarmar, valente homem da lei.
— Espero que vocês mesmos façam
isso pacificamente... Desafivelem, cuidadosamente os cinturões e os depositem
com as armas, naquela carroça – apontou com o rifle para uma carroça que
providencialmente ali estava.
— Ora, ora, ora. Encomende sua
alma, forasteiro – disse o líder levando a mão ao coldre.
O
sheriff, com a velocidade de um raio
levantou a winchester e atirou
acertando o canalha no meio da testa. O cavalo do bandoleiro empinou lançando-o ao chão como um saco de
batatas. O homem da lei aproveitando da surpresa dos bandidos e da agitação das
montarias lançou-se ao chão e pôs-se a rolar em direção à providencial carroça
e enquanto rolava atirava: era um tiro e uma queda; outro tiro, outra queda,
até esgotar a munição da carabina. Sem tempo para recarregar, largou-a e sacou
os dois revólveres e continuou rolando e atirando: eram dois tiros, duas
quedas; outros dois tiros, duas quedas até alcançar a carroça, sem que um tiro
sequer dos oponentes o tenham atingido. Virou a carroça de lado para se
proteger enquanto a balas atiradas contra ele passavam zunindo ou tiravam
lascas da carroça... Uma chegou a lhe arancar o chapéu que foi para trás do
pescoço, ficando preso ao pescoço pelo barbicacho. Enquanto ele, a cada dois
tiros jogava dois bandidos ao chão até tudo silenciar... Aguardou alguns
segundos para, lentamente erguer a cabeça quando um tiro atingiu de raspão sua
orelha provocando um filete de sangue. O tiro foi disparado pelo único bandido
que ainda continuava de pé e se protegia atrás da coluna do armazém. O sheriff protegeu-se novamente, voltando
à posição de tiro. Apontou a pistola, apertou o gatilho e TEC – a arma estava
descarregada; apontou a outra e TEC – também sem balas. O bandido,
aproveitando, abandonou a proteção da coluna correndo em direção à carroça,
contando que ele não teria tempo para recarregar as armas e o mataria... O
justiceiro então sacou sua bowie da bota
arremessando-a com incrível precisão para cravar-se na garganta do homem que,
por contração dos nervos ainda disparou em direção ao solo e, curvando-se
lentamente, ajoelhou-se para em seguida cair de cara no chão juntando seu
sangue ao sangue dos seus asseclas, formando uma enorme mancha vermelha na rua
central de Tombstone. Depois ele
soube que o último bandido a tombar era o ambicioso e cruel fazendeiro...
A
população toma a rua dando hurras ao herói que os livrara do flagelo e
carrega-o nos ombros até o saloon, onde
o eufórico juiz o esperava gritando: “bebida para todos! Por minha conta! Aquela
foi a maior farra coletiva já vista em Tombstone e região! De repente todos
calam ao ouvir um tropel e o ranger de freio de uma carruagem... O silêncio era
tão grande que se pode ouvir o farfalhar de um vestido de seda... Veem então
entrar pela porta vai-e-vem, timidamente, a figura de uma bela jovem vestida de
preto, em convulsivo pranto... Nosso herói arranca do peito a estrela da lei,
joga-a para o juiz e sai em desabalada carreira atirando-se pelo janelão de
vidro que decorava a fachada do saloon,
caindo sobre o cavalo, ali deixado pelo diligente homenzinho da estrebaria, partindo
a galope, sem olhar para trás. Diante da delegacia saltou do cavalo ainda em movimento, pegou seus alforges e voltou a galopar até chegar a uma pequena elevação do terreno onde, emoldurado pelo enorme disco do Sol crepuscular, empina o cavalo e ergue o chapéu num gesto de adeus...
The end
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