A. J. de O. Monteiro
Caminhando
por entre a espessa bruma ia o jovem, aturdido, procurando o porquê do
acidente. Por quê? Por que tão cedo? Beirava o desespero quando ouviu o som de
uma guitarra acompanhando um rock que lhe pareceu familiar. Seguiu o som
abstraindo-se da dor e das dúvidas. Caminhou naquele rumo e alguns metro
adiante a bruma se abriu e ele pode ver: Raul Seixas sentado sobre uma enorme
pedra cantando para uma plateia de gnomos, duendes, silfos, ondinas,
salamandras, sereias e fadas. Ele reconheceu Raul pois, com seu pai, ouvia
discos e assistia vídeos que o velho fã guardava com muito carinho e zelo.
Sempre lamentou não ter vivido aquele tempo. O tempo do Raul... Sentou afastado
intimidado pela presença dos seres tão diferentes e iluminados que compunham a
plateia, ouvindo, em silêncio reverencial o que Ele dizia com seus versos. De
repente Raul silenciou a guitarra e a voz levantando-se como que indicando que
terminara. Os seres também se levantaram e, sem protesto, em silêncio,
perderam-se na bruma.
Raul
desceu, aproximou-se do jovem, sentou-se à sua frente observando-o por algum
tempo para perguntar:
— Ainda não é o teu momento, que
fazes aqui?
— Sei, não é ... Por isso estou
confuso... Ainda tinha tanto a aprender...
— O que queres saber?
— Posso perguntar sobre minhas
dúvidas?
— Sim, talvez minha experiência
de dez mil anos possa te ajudar.
E
assim deu-se a entrevista:
P – Você disse que quando a pedra
rolou da ribanceira também quebrou a perna, pode me explicar?
R – É uma metáfora. Centenas de
pessoas quiseram explica-la de acordo com suas religiões, crendices, filosofias
e medos, esquecendo que as metáforas são para serem entendidas pelo seu sentido
único proposto pelo autor, não para serem explicadas segundo ideias
preconcebidas. Quando tiveres vivido dez
mil anos entenderás.
P – O que você diria para alguém
de minha idade e que ainda está lá e tem as mesmas dúvidas sobre o viver?
R – Basta ser sincero e desejar
profundo que serás capaz de sacudir o mundo. Vai, tenta outra vez.
P – Você correu muito?
R – Não, é chato chegar a um
objetivo num instante.
P – Você foi contestador,
irreverente e discrepante mesmo. Como conseguiu se relacionar?
R – Controlando minha maluques,
misturando com minha lucidez.
R – Não, ganhava quatro mil
cruzeiros por mês, mas, mesmo assim, comprei um corcel setenta e três.
P – E se sentia feliz mesmo
assim?
R – Não, mas deveria pelo Senhor
ter me concedido um domingo para ir com a família ao zoológico dar pipoca aos
macacos. Ah, mas chato que sou eu que não acho nada disso engraçado: macaco,
praia, carro, jornal, tobogã eu acho tudo isso um saco.
P – O que é “SER”?
R – É você se olhar no espelho,
se sentir um grandessíssimo idiota. Saber que é humano, ridículo, limitado que
só usa dez por cento de sua cabeça animal. É você ainda acreditar que é um
doutor, padre ou policial que está contribuindo com sua parte para nosso belo
quadro social.
P – Você tentou mudar o quadro?
R – Não sentei no trono de um apartamento
com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar, mas foi em
vão.
P – Como você via esse quadro?
R – Do cume calmo do meu olho que
vê e assenta a sombra sonora de um disco voador.
P – O que você é?
R – Sou a vela que acende, sou a
luz que se apaga, sou a beira do abismo, sou o tudo, o nada!
P – Como aprendeu a viver?
R – Aprendi os segredos a vida
vendo as pedras que choram e sonham sozinhas no mesmo lugar.
P – É fácil ou difícil encontrar
o caminho certo?
R – Todos os caminhos são iguais,
o que leva a glória ou a perdição. Há tantos caminhos, tantas portas, mas
somente um tem coração!
P – fale-me sobre seu pai.
R – Era assim: eu calçava trinta
e sete e ele me dava trinta e seis. Doía, mas no dia seguinte apertava meu pé
outra vez.
P – Você chegou a imaginar um
mundo diferente?
R – Sim, uma sociedade
alternativa, nestes termos: Se eu quero e você quer tomar banho de chapéu, ou
esperar Papai Noel, ou discutir Carlos Gardel, então vá... Faça o que tu queres
pois é tudo da lei.
P – Para onde está indo o mundo?
R – Plunct, plact, zum, não vai a
lugar nenhum...
Deu
por encerrada a entrevista e alçou voo zumbizando e cantando: “Eu sou a mosca
que pousou em sua sopa” ...
Nota do autor: Alguns versos não
estão reproduzidos literalmente devido as peculiaridades da prosa, pelo que
peço desculpa aos autores.
5 comentários:
Genial, senti saudades dessa escrita peculiar. 😘
Correndo pra ouvir o grande Raul, como ainda estou por aqui, vai ser no Spo... Mesmo 😁
Maravilha de postagem, Raulzito permanece vivo no coração de cada fã, suas músicas deixaram mensagens que ficarão marcadas para a posteridade!!
Tenho um Fã Club aqui na cidade de Teresina no Piauí, sempre preservando a vida e obra do pai do rock brasileiro!
Saudações ao amigo!
Att, Bruno Lustosa.
Obrigado, Bruno. A música do Raul, marcou uma época da minha vida.
Um abraço e sucesso.
Muito bom passeio em cima de algumas parte das letras de Raul ( Paulo Coelho e outros ), esta entrevista imaginária e com respostas verdadeiras de nosso ídolo, pois, como acima dito, basearam-se em letras originais, mesmo não tendo sido "Ipsis Literis", como você enfatizou.
Mas, para mim, faltou você viajar na nave de Raul na interpretação de Marcelo Nova em “Pastor João e a igreja invisível ", com provavelmente atualíssima parte da letra que iria dizer bem assim : eu transformo pandemia em gripezinha . Brincadeirinha Monteiro!!!! essa foi de outro autor.
Marcus Spinelli
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