quinta-feira, 2 de abril de 2020

A MAIOR FESTA DO MUNDO (da série "Crônicas confinadas")



Daniel Cariello*

“CONHECE ALGUÉM DA SQN 107?
Prezados vizinhos, nosso filho Lucas irá completar 3 anos na próxima 3a feira (31/03). Isolados, cancelamos a festinha dele que seria dos dinossauros e cantaremos parabéns em casa.
Você pode fazer o Lucas feliz se, às 19h do dia 31/03 (3a feira), for até a janela do seu apartamento e cantar os parabéns conosco.
Moramos na SQN 107, bloco G. Desde já, muito obrigado.
Ass: mamãe e papai do Lucas”
                Minha irmã caçula Andrea escreveu essa mensagem em um papel, tirou uma foto e enviou a imagem nos grupos WhatsApp da família, acompanhada de um pedido: “Festinha do Lucas amanhã na janela. Espalhem!”
                Planejada ao longo de meses, a festa de dinossauro do Lucas reuniria diplodocos das famílias materna brasileira e paterna chilena, uma parte dos convidados viria diretamente de Santiago. Mas o encontro de gigantes precisou ser cancelado por causa desses seres pequeninos e perigosos que invadiram as ruas do mundo inteiro. Restou aos pais improvisar.
                A solicitação da Andrea e do Alex nos tocou profundamente. Algumas questões de saúde na família nos últimos tempos colocaram a comemoração em risco. Agora que tudo está bem melhor, não podíamos deixar passar a ocasião de festejar. Queríamos estar perto uns dos outros, mesmo que fisicamente não fosse possível. E queríamos que o Lucas tivesse sua festa, tão longamente programada. Então, partimos para a divulgação.
                Logo descobrimos que o pedido da minha irmã contagiou muito mais gente. A mensagem rapidamente viralizou nas redes sociais. Jornais e sites brasileiros e chilenos cobriram o antes, o durante e o depois da festa. Pessoas anônimas e comércios diversos mandaram presentes. Um desconhecido se ofereceu para passar embaixo do prédio com um grande boneco de dinossauro. Vizinhos apareceram em suas janelas e familiares acompanharam pela internet. O corpo de bombeiros enviou um caminhão para tocar sirene, piscar as luzes e fazer a alegria do menino, que os adora. E uma enorme rede de solidariedade e de empatia formou-se em torno da celebração. Às 19 horas, todos cantaram parabéns para o pequeno T-Rex, que acompanhava tudo fantasiado e com olhinhos curiosos.
                Em tempos de confinamento, todo mundo tem um Luquinhas de quem sente falta. Seja de 3, de 30, de 60 ou de 90 anos. Cantar parabéns para ele era uma forma de mandar amor para uma janela do bloco G da SQN 107, em Brasília. Mas também para outras janelas espalhadas pela cidade, pelo país, pelo mundo. Para parentes apartados. Para amores afastados. Para desconhecidos distantes.
                O pequeno Lucas ainda não faz ideia, mas um dia irá saber que seu aniversário de dinossauro foi grandioso como aqueles enormes répteis. Naquele 31 de março de 2020, juntando dois países e milhares de pessoas, foi certamente a maior festa do mundo
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Os textos também são publicados no site e na página Facebook do Diário do Rio
Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br



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