sexta-feira, 3 de julho de 2020

DEUS ME LIVE



Adriano de Angelis

Parece mesmo que muita gente tomou antipatia pelas LIVES, veja só.
Na prática mesmo são shows, bate-papos, treinamentos físicos, dicas de receita, de moda e maquiagem... por aí vai.
Ou seja, tudo que já existia. A rigor, nada, absolutamente nada novo ao sol.
Só o nome: LIVE. Algo bonito. Super fresh.
E é disso que as pessoas tomaram birra.
Afinal ser do contra é um esporte nacional. Somos bons nisso. Temos treinado ao longo de décadas.
Mas continuamos adorando música, querendo bons shows, conversas com amigxs, se exercitar. Acredito até que os treinamentos fitness durante a quarentena aumentaram.... mas LIVE LIVE, aí já é demais.
"Já tem que aguentar várias expressões idiotas nessa disgrama de quarentena: lockdown, isolamento social, achatar a curva... E agora ainda querem me engabelar com essa tal de LIVE? Ah não, Deus me LIVE." Diria alguma espécie de Seu Lunga em tempos atuais.
Dizem que essa questão de nomenclatura, terminologia, afeta demais o comportamento de nós seres humanos, desprovidos de paz-e-ciência em pleno século 21.
Vejam a situação da pandemia, desse tal corona vírus.
Dizem que a culpa pela nossa alta contaminação nem é por conta da doença, e sim do impacto (ou da falta dele) causado pela expressão: COVID-19.
Que parece nome de evento, de atividade cultural.
Algo como COngresso VIsual de Designers 2019.
Ou... COncurso VIrtual de Depilação. 19 vagas.
Como é alguém vai ter receio real de algo com nome tão atrativo? (eu morreria de medo de um concurso de depilação)
Fica então difícil cumprir isolamento, respeitar quarentena, diante de um termo tão sedutor não é mesmo?
E essa hipótese (creio eu) nem é nova viu... Acho que vi numa LIVE.
Outro dia, fiz um zapping de LIVEs no Instagram.

Sei que tem gente que prefere as LIVEs do Facebook, do Youtube ou até as LIVEs da TV aberta, que também embarcaram nessa onda pra exibir seus velhos shows de quase sempre.
É bem capaz, inclusive, que o especial de natal do Roberto Carlos esse ano seja uma LIVE. Com as mesmas cores de roupa em destaque, com as mesmas cores proibidas de se usar, com as mesmas convidadas e convidados, provavelmente mesmo tipo de iluminação e enquadramento de câmeras. No mesmo palco e na mesma emissora. Só que agora vai ser uma LIVE. Ou seja, up-to-date!
Mas voltando ao zapping... passei umas boas horas navegando por diferentes LIVEs.
Algumas me marcaram:
O jovem casal faz uma receita de macarrão com picadinho de carne especial e tempero de algum canto da Bolívia. Parece gostoso mas sou vegano, pena;
Um velho rockeiro, famoso dos anos 80, mostra no violão cintilante suas principais referências do rock nacional, a começar por Engenheiros do Hawaii;
Uma jovem loirinha explica pra outra jovem loirinha como faz pra melhorar as poses sexys nas selfies: segura o queixo assim, estica uma perna e encolhe a outra, faz biquinho com a boca de lado... e por aí foram;
Um influenciador conhecido e super tatuado entrevista um deputado federal graúdo e rechonchudo para tentar entender o que chegará primeiro: a vacina contra o corona ou o impeachment contra o presidente;
Um amigo de uma amiga de outro amigo, que sei lá porque cargas d'água comecei a seguir, tenta mostrar em desenhos rabiscados ao vivo que a Terra nem é plana nem é redonda, que ela é hexagonal;
Uma Ex BBB ensina os 10 melhores exercícios pra ter o BumBum na Nuca. Eita! senti um comichão aqui atrás;
Um DJ da periferia carioca convida ao vivo moças desinibidas a rebolarem pra câmera do celular enquanto ele toca uns funks semi eróticos e exibe vídeos de si mesmo em técnicas de animação gráfica rudimentar;
Uma consultora de moda paulistana tenta explicar porque a "nova moda" pós pandemia será mais inclusiva e responsável socialmente, mesmo apontando que os trabalhadores e trabalhadoras da indústria têxtil tendem a ganhar menos ainda a partir de agora;
E outras e outras e outras....
São muitas LIVES por dia, por hora.
Todas me atraem, poucas me convencem.
Mas experiência é a palavra chave.
Deus me LIVE.

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