sexta-feira, 3 de julho de 2020



Fabiana Motta

                No início de fevereiro enterramos o corpo físico do meu pai. A vida já havia mudado por aqui quando a pandemia aportou no Brasil. Minha mãe, agora viúva, vestiu as cores da aposentadoria para escapar da tragédia. Estamos todos em casa, nós, a falta do meu pai e a incerteza.
                Enquanto a realidade apavora, a arte nos oferece o abrigo. Minha mãe acompanha fervorosamente as lives da Tereza Cristina. Se empolga, canta junto, nos chama pra dividir o entusiasmo. Toda noite a voz dessa mulher ressoa pelas quatro paredes do quarto dos meus pais; do quarto da minha mãe, encobertando o silêncio que insiste em doer.
                Eu não lembro da minha mãe fã. Essa versão dela é feliz e isso me faz bem. Eu já fui fã em outras perdas. Música pra mim sempre teve esse papel de remédio e oração. De cura mesmo. Dessa vez, estranhamente, não recorri a ela. Acho que por hora, estou anestesiada de memórias. Ainda assim, escuto ao fundo a voz de Tereza alegrando minha mãe. Meu coração se acalma. É devagar que se vive. Essa confusão de mundo nos ensina a ter coragem.

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