Fabiana
Motta
Conheci Brasília pela janela do
ônibus. Agora imagina a minha situação; Brasília já é esquisita pra quem chega
de São Paulo, eu cheguei de São Gabriel, no Rio Grande do sul. São Gabriel mal
tem 60 mil habitantes, é uma cidade antiga, de ruas estreitas e casarões
antigos. E eu tinha 16 anos. E eu não tinha viajado muito. Ah sim, e eu não
queria vir. Desci daquele ônibus armada
de ranço e antipatia. Mas aí, passamos pela Esplanada e muito reticente ,
admiti a beleza daquele lugar. Estava quase pronta para deixar minha má vontade
de lado, quando cheguei em Sobradinho, uma tal de cidade satélite. Odiei
Sobradinho com toda a força durante longos três meses. Odiei principalmente o
apartamento minúsculo onde fomos morar. Eu tenho essa recordação vívida de
sentar em frente a janela do meu quarto e chorar. Adolescente é muito
dramático. Quando as aulas começaram, meu irmão e eu fizemos amigos
rapidamente. Éramos tipos exóticos para os nossos colegas; dois gaúchos
interioranos em uma escola pública.
Munida de amigos, o ranço perdeu
as forças. A cidade se tornou interessante. Ela me apresentou a manga com sal,
o caldo de cana e a pamonha. E pra falar a verdade, tudo ainda tinha cara de
interior. O plano piloto, com suas asas, era cartão postal. Nos meus primeiros
anos, eu não ia muito naquelas bandas.
Minhas
incursões ao centro de Brasília eram para assistir a algum filme no cinema.
Depois, timidamente, me apresentei a vida noturna da cidade, mas não era uma
frequentadora costumeira, o plano piloto era para quem tinha carro. Levei
alguns anos até me sentir íntima daquele espaço criado pelo Niemayer, é
importante assinalar que ainda antes de me sentir em casa, já sabia que estava
no lugar certo pra mim; essa certeza deu as caras no dia primeiro de janeiro de
2003, posse do Lula.
Nesse tempo, ainda estudante de
escola pública, fiz um estágio em uma empresa que ficava numa ruazinha
escondida, atrás da w3 norte. Não foi o suficiente pra que eu me envolvesse com
Brasília. Só fui me aproximar da cidade quando trabalhei em uma vídeo locadora
na asa norte. A 407 norte foi minha primeira paixão, vieram outras depois, (ah,
UnB).
Eu descobri Brasília naquela
época, conheci seus truques, criei planos de fuga para meus passeios noturnos
nos bares do plano piloto. Não demorou para que eu sonhasse futuros enlaçados
com Brasília.
Lá se vão 20
anos. Conheço a cidade com a palma da minha mão. Não que ela tenha perdido a
capacidade de me surpreender, não é isso. Esse senso de conhecimento tem mais a
ver comigo que com ela. Aqui a mulher que me tornei foi moldada.
Eu falo de Brasília como se a
cidade fosse um deus criado do concreto. Brasília é cheia de gente e coisas que
eu amo: minha família, meus amigos, minha casa, minha rede, meus cachorros, a
Esplanada, a UnB, a 407 norte, Sobradinho, o lago Paranoá, o por do sol, o
parque da cidade, os pilotis do plano piloto, os bares, as festas nas casas dos
amigos, os shows ao ar livre, o CCBB, as revoadas de passarinhos nas árvores do
meu quintal; tudo isso me forma. É engraçado dizer que uma cidade nos forma,
mas não sei dizer de outra maneira.
Brasília é o centro político do
país e isso não passa despercebido. Provavelmente esse é o ponto mais
importante pra eu explicar porque a cidade me forma.
Eu cresci em uma família
politizada, mas no interior do RS não acho que este galho específico teria
vingado. Naquele tempo, política era pano de fundo. Me faltava o impacto visual
para compreender a força do contexto político da vida. A eleição do Lula, a
eleição da Dilma, sua queda, meu
primeiro voto, a festa na Esplanada, são as lembranças mais importantes da
minha formação. E eu fui estudar antropologia. A UnB é uma força política. O
departamento de Ciências Sociais então…
E agora cá estou, antropóloga;
Brasília correndo nas veias. E o presidente é o Bolsonaro. E existe uma
pandemia lá fora que aliada ao caos político, agiganta o desespero. Mas isso
todos vocês já sabem.
As vezes,
sonhando futuros, me imagino diante de outro céus. Eu posso me apaixonar de
novo, ir embora dessa cidade, mas quero ir em paz com ela. Quando o mundo
voltar a ser mundo, quando couberem realidades para os nossos sonhos, vou
conversar com Brasília. Não é falta de amor, ela sabe. Mas essa pandemia, esse
caos, esse presidente, tudo isso têm nos desgastado. Talvez um dia desses seja
a hora de ir embora. Talvez.

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