A.
J. de O. Monteiro
Os
Vieira compõem uma típica família da classe média brasileira. O pai, Pedro é
executivo de uma multinacional e a mãe, Isaura, é advogada criminalista de
respeitável atuação. Ambos estão trabalhando “home office”, num confortável
apartamento que dividem com os dois filhos: Lisa, uma adolescente de dezesseis
anos, cursando o ensino médio e apaixonada por música; Milo tem nove anos, está
no ensino fundamental e é fissurado por futebol. Os dois, estão às duras penas
e sob coação, acompanhando aulas ministradas à distância pelos respectivos
professores que não têm domínio total dessa metodologia, assim como os
colégios. Tampouco os alunos têm e muito menos os pais.
Numa
noite dessas, insones, depois de terem percorrido todos os “streamings”, às
três horas da madrugada Isaura rompe o silêncio mantido desde que que se
recolheram:
— Pedro, ainda acordado?
— Sim, Isaura, o que foi?
— Pedro, estou preocupada
conosco, com o rumo que nossa vida está tomando... Sinto que estamos isolados
dentro desse isolamento social... Nós quase não nos falamos e não consigo me
comunicar com as crianças. Lisa, fora o pouco tempo que dedica aos estudos,
vive com o “headphone” nos ouvidos, alheia a tudo que se passa ao redor. Dias
desses entrei no banheiro e encontrei uma adolescente penteando os cabelos;
pedi desculpa e saí. Só um minuto depois é que me dei conta que não há ninguém
além de nós em casa... Era a Lisa sem os “headphones”- não a reconheci. O Milo, meu Deus! É o dia
todo chutando bola num jogo imaginário que nunca termina.
— É Isaura, você tem razão.
Conversar aqui em casa é raro e com as crianças está quase impossível! Cobrei
da Lisa a indiferença com que ela vem nos tratando e ela simplesmente
respondeu: - Sou adolescente, esqueceu? Os adolescentes são assim mesmo”... Fui
tentar com o Milo e a resposta foi igualmente desanimadora: - “Espera o
intervalo pai, são quinze minutos”... Desisti. Não estou conseguindo
estabelecer contato com eles...
— O que você sugere Pedro?
— Regras Isaura. Tanto para nós
quanto para eles. Distribuir tarefas para o cotidiano; designar tarefas,
estabelecer horários para todas as atividades, inclusive uma ou mais que
possamos compartilhar os quatro.
— Já pensei nisso, Pedro, mas acho
bastante difícil conciliar atividades comuns. Quais atividades podem ser, ao
mesmo tempo, interessantes pra nós dois, para uma adolescente de dezesseis anos
e para um pré-adolescente de nove? Nós até podemos sacrificar nossos
interesses, mas é muito difícil conciliar os interesses dos dois... Acho que
espaçamos demais o tempo entre os dois, mas temos que tentar!
Passaram
o resto da noite elaborando o documento a ser lido logo cedo no café da manhã
que conseguiram compartilhar com os dois filhos sonolentos e aborrecidos. As
regras foram lidas pelo pai que procurou dar um ar solene e terminativo.
Ao
final da leitura Lisa se Manifestou:
— Muito bem comandante, agora só
falta comprar o clarim!
— Clarim pra quê? Perguntaram
Pedro e Isaura ao mesmo tempo.
— Ora, para anunciar a alvorada,
a hora do rancho, o toque de recolher e todas as demais atividade do quartel...
Já
o Milo reagiu mais positivamente:
— Êba! Na atividade comum podemos
disputar um futebol de dois ali na sacada. Eu e papai contra Lisa e mamãe...
vai ser legal!
À
noite, no quarto, os dois concordaram que perderam o controle. A família agora
está sob nova administração... É administrada por um vírus!

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