quarta-feira, 14 de outubro de 2020

GATITO




Marcelo D'Alencourt

 

2018, final do carioca. Botafogo tinha perdido o primeiro jogo por 3x2. Mais. Duas finais perdidas para o Vasco, coisa muito incomum porque, apesar de sermos fregueses dos cruzmaltinos, nunca perdemos final para eles. Essas coisas que "só acontecem ao Botafogo". Acordei cedo nessa manhã de outono de 2018 bastante decidido a, por inúmeras razões, não ir à peleja que definiria a sorte do carioca. Tomei o café da manhã, esposa e filha dormindo. Parti pra praia pra um mergulho redentor no mar. Tudo calmo e tranquilo até olhar serenamente aquela infinita imensidão. Só faltou combinar com ela. Não sei bem o porquê e, logo em seguida, vem aquela voz do nada dizendo: "Vá ao jogo". Estarreci-me. Não questionei. Aliás é o que move o botafoguense: a paixão. Peguei um táxi e parti pro clube. Pelejei muito e até apelei pra um diretor que sóbrio me respondeu: "Marcelo, filho, se der sorte, você arruma ingresso só no Maraca". Não tive dúvida. Fui pra lá certo de que conseguiria um sobretaxado. Não deu outra. Saltei do táxi e logo chegou um rapaz oferecendo ingressos. Não pensei duas vezes. Paguei o dobro e o guardei no bolso com documento, cartão e celular. Fui pra casa. Ritual normal de domingo. Almoço, uma cerveja, sobremesa, escovar os dentes e 15h, hora do uniforme. Enverguei a camisa 7 de Garrincha, Jairzinho, Maurício e o maior de todos de nossa geração, Túlio Maravilha. Short preto, meia branca, beijei as meninas e, antes de sair, um toque no crucifixo pra garantir o apoio. Sozinho, aos 50 anos, fui pro estádio. No caminho só lembrei dos bons tempos e dos vários amigos indo pro campo de jogo depois de várias cervejas e um bom papo. Sem problemas, pensei. Estarão todos aqui no jogo, cada um num canto do Maracanã, pensando exatamente nesse remoto passado que ora me vem. Chego só. Sento no lugar de sempre. Na arquibancada, na linha do corner. Por quê? Meu pai  sempre diz que ali dá sorte. Pra um bom botafoguense isso é mais que tudo. Os times entram. Todos de pé entoam o mais lindo dos hinos: "Botafogo, Botafogo, campeão..."Sem saber por que, percebo as lágrimas frias rolarem dos meus olhos sobre a apreensiva face. Sinto falta imensamente de duas pessoas ali comigo: meu pai e minha filha, mas, tudo bem, hora de torcer. O time do Vasco é bom, mas o Botafogo toma conta e, valentemente, vai até o fim perseguindo o gol que levaria a decisão pros pênaltis. Matheus Fernandes e Carli jogaram muito! Leões. 48 do segundo tempo, muitos alvinegros já tinham deixado o estádio, quando Leo Valência, um dos nossos, é expulso. Baixei a cabeça, respirei fundo e pensei:

"Hora de partir". Mas resisti e não dei atenção à voz da desistência e ali permaneci. E não é que a coisa virou. Bola alçada na área do Vasco, Igor Rabelo (zagueiro) toca pra Carli (outro zagueiro) que samba na frente do goleiraço vascaíno Martin Silva. O chute sai meio espirrado e cumprimenta vagarosamente as redes adversárias. Gol do Botafogo! Explodi num imenso salto. Choro aqui e agora dois anos depois ao descrever a situação. Imaginem lá. Olho imediatamente pros bandeiras e juiz que correm pro meio do campo. Loucura geral. Vi então um alvinegro que abriu os braços e veio em minha direção. Nos abraçamos firmemente na certeza do título dizendo alguns palavrões que não vem ao caso aqui comentar. Durante a comemoração perdi meus óculos. Fiquei possesso atrás das lunetas sem as quais perderia o melhor. De repente, uma mão amiga  toca as minhas costas e me entrega! Abracei o alvinegro e disse: "Salvou a minha vida!". Ele respondeu secamente olhando pro campo: "Eu sei. Sou argentino e amigo do Carli. Vai dar certo". Nesse momento, uma coisa me chamou atenção. Vários botafoguenses que tinham ido embora retornam com o nosso gol. Foi um misto de "volta e vai embora". Gritei pra que ficassem, tamanha era a certeza da vitória. Não tive tempo de me recompor. Quando mirei o campo, os atletas estavam perfilados pras cobranças. Foi aí que entendi a minha intuição de campeão. No canto da área, quieto e soberano, estava aquele que garantiria o nosso título: Gatito Fernandes. Lentamente, a cada cobrança, caminhava resoluta e serenamente em direção ao gol, intimidando os cobradores vascaínos. Defendeu 1, 2, 3 pênaltis. Botafogo Campeão! Loucura geral novamente. Comemoramos muito. Todos nós lá presentes como se fôssemos um só. Desci a rampa do estádio, entoando o nosso heroico hino que diz: "Não podes perder, perder pra ninguém". É campeão! Fooooooooogo!





Um comentário:

Puce disse...

Que delícia de texto !!!