quarta-feira, 13 de maio de 2020

O CAÇADOR DE JACARÉS




Carlos Alberto Monteiro falcão

Fui considerado o homem mais corajoso da pescaria.  Essa história rola em grupos de pescadores da região, principalmente nas rodas de conversa lá no sítio do seu Rocha. 
— O cara pegou o bicho sozinho!
— Travou uma luta incrível com a fera dentro das águas.
O fato é que esse causo me rende o título de caçador de jacarés até hoje,  mas,  vamos ao que de fato aconteceu.  Fomos convidados para participar de uma pescaria lá pras bandas de Matões, no Maranhão. Era pescaria em uma lagoa a uns 60 km de estrada ruim. Chefiada pela dona Emília, matriarca do Sítio e  apaixonada pela arte da pesca, a esposa do seu Rocha organizava todo o evento nos mínimos detalhes, para que não faltasse nada.   Muitas tralhas, várias braças de redes de nylon, muitas varas de pesca além de mantimentos para um batalhão de pessoas. Tudo foi organizado com antecedência na camionete, naquela animação.
Saímos cedinho e quando o sol nasceu já estávamos na estrada.  Inicialmente pegamos a BR 226 que, apesar de estar asfaltada há muito tempo nos papeis, nesse percurso, continua uma estrada carroçável com muitos trechos de dificuldade.  Não demorou muito e pegamos uma estradinha de chão, estreita, com muita lama, pedras e pequenos riachos a serem vencidos. Uma grande aventura.  Enfim chegamos!  Montamos acampamento em uma pequena casa de apoio.  Logo o “rancho” estava montado e um fogão a lenha com fogo ateado para preparar o almoço rápido.  Depois da refeição, descemos para a beira da lagoa a uns 800 metros, por uma vereda no meio de um cocal fechado.  Dona Emília comandava o grupo, seguida do “Gasolina”, seu fiel escudeiro, carregando um banquinho, o qual a matriarca usaria para acomodar-se à beira da lagoa, além da vara de bambu, já preparada para pescaria.   O grupo era grande, além da Dona Emília, duas moradoras do sítio, quatro pescadores profissionais, o Gasolina e eu, pela primeira vez na região.  Chegando às águas, o grupo foi logo tratando de limpar alguns pontos de pesca de anzol e acomodando a Dona Emília.  Os sacos com as redes de pesca foram distribuídas entre os pescadores, os quais em dupla, se organizaram para colocar as armadilhas.

— Como você não tem experiência em armar engancho, fica aí com o Gasolina, pescando de anzol e tomando conta das mulheres.
—Assim eu não aprendo! Vou com vocês sim.
Mesmo com o argumento, nos pontos selecionados, sempre me deixavam à beira da água enquanto eles esticavam as armadilhas.  Redes na água, voltamos para pescaria de anzol.   Várias traíras de médio porte animaram o início da pescaria, até o escurecer.
Já no rancho, é aproveitar o ponto alto desse tipo de pescaria: a reunião em volta da fogueira. É nesse momento que nos deliciamos com as melhores histórias.  Só estava faltando a pinga, trancada a sete chaves pela Dona Emília , que não liberava a “malvada” antes de despescar o engancho.
— Conheço meu “gado”, se liberar agora, não vão olhar a armadilha e ficamos sem os peixes!
Nesse momento eu vi a possibilidade de ganhar a confiança do pessoal. Fui lá e convenci a “General” do grupo a liberar alguns goles, me comprometendo que ia com eles ver as armadilhas. Aí a história mudou e agora sim, passei a fazer parte da pescaria. 
             Ao amanhecer, chegou a hora de remover as armadilhas e veio a grande surpresa. Um jacaré de papo amarelo, comum na região estava preso em uma das redes. Era um dos grandes. O pobre réptil  devia ter relutado a noite inteira e já estava sem forças. Um dos pescadores carregou uma espingarda bate bucha e atirou no animal.  Acho que que esse tiro foi fatal entretanto,  os homens ficaram com receio de entrar na água. Num relampejo de coragem que, diga-se de passagem, nem sei onde a arrumei, entrei na água com um facão e, quando me aproximei, acertei o animal já inerte na região do pescoço.
-Pronto, podem pegar o “quiba” e ligeiro, antes que piranhas cheguem!
           Depois do ocorrido, passei a ser o “caçador de jacarés”, o mais corajoso do grupo e por aí vai! Como toda boa história de pescador, já foi muito alterada nas rodas de conversa. Há quem diga que eu lutei por horas com a fera, sem falar que o bicho aumenta de peso e tamanho a cada narrativa.