quinta-feira, 29 de outubro de 2015

ASAS NEGRAS.


A. J. de O. Monteiro
            
            Era apenas mais um princípio de manhã ensolarada, daquelas que chama a refastelar-se numa rede em alpendre de casa de praia e eu estava exatamente assim, quando me peguei observando um bando de urubus voando alegremente – me pareceu – em círculos, com é próprio daquela espécie. Acho bonito o voo do urubu, além de tecnicamente perfeito, utilizando-se das correntes de ar termais a ave, em voo planado, faz manobras de deixar extasiado o observador.
Daquele bando de urubus, um em especial tomou minha atenção. Postava-se como um líder, voando afastado dos demais, parecendo delimitar o espaço de voo de todos e somente ele fazia manobras diferenciadas, subindo e descendo além da linha em que os demais voavam. Por vezes passava tão próximo que via seus olhos pretos brilhando como que de prazer.  Noutros momentos tive a impressão de que ele parava no ar, o que me lembrou do folclórico e bom jogador de futebol Dadá Maravilha, que afirmava parar no ar tal qual o colibri e o helicóptero. Naquele dia acrescentei mais um: O urubu!
De repente, com o sol já meio alto, o bando começa a se afastar, sob o comando do líder, sempre aumentando os raios dos círculos concêntricos até saírem do alcance da minha visão. Fechei os olhos, mas as imagens daquele “show aéreo” insistiram em ficar na minha retina...

MENSAGENS VOADORAS*


Daniel Cariello**

Estava eu sentado na praia de Ipanema, observando duas gaivotas gaivotando em dupla, quando passou um daqueles teco-tecos puxando uma faixa de tecido anunciando uma marca de creme condicionador. No mesmo instante, deixei as aves para lá, roubei discretamente a pazinha de uma criança ao lado e me pus a rabiscar na areia frases para esse antigo e ainda fascinante meio de comunicação, imaginando como ele seria se abrisse espaço para anúncios pessoais e de utilidade pública:
. Atenção, banhistas: próximo arrastão às 15h45. Favor deixar o caminho livre.
. Temperatura da água: 24ºC. Com xixi: 27ºC.
. Praia lotada. Favor conferir se a criança que está levando embora é mesmo o seu filho. Prefeitura do Rio.
. Está sozinho nesse verão? Ha ha, sifu!
. Amola-se faca e tira-se unha encravada. Barraca do Victor, Posto 9.
. Tininha, te amo. # SQN. Fui!
. Maconheiros, fumar erva causa danos à memória e prejudica o… o... o...
. Aê, bombados do Coqueirão, essa sunga curtinha de vocês é muito ixcrota, hein? Bombados do Posto 8.
. Caution! Do not accept the 4 Real notes. They are as false as Hillary Clinton’s hair colour.
. Attention! N’acceptez pas les billets de 4 Reais. Ils sont aussi faux que la bonne humeur française.
. Atención! No acepte notas de 4 Reais. Son tan falsas como los perfumes paraguayos.
. Manda nudes! (21) 9999-8888.
. Surfista solitário oferece parafina a surfistas solitárias. Aplicação gratuita.
. Foi roubado? Sentimos muito. Prefeitura do Rio.
. Pablo, você esqueceu o gás ligado e sua casa explodiu. Cancelo o churras?
. Bigode, aquela parada chegô. Tu me deve duas onças. Taturana.
. Vende-se rifa de Xbox. Procurar o Caio na barraca no Jão.
. Você aí, branquelo. Sai do sol, caramba! Prefeitura do Rio.
. Pimpo, passa no mercado e traz mortadela. Minha mãe vem lanchar com a gente. Beijos da Pimpa.
* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

ENTARDECER DE RIO


Isaias Coelho Marques

Tempo queima
nada a fazer
nesse entardecer
de rio

Fogo teima

Longe, uma coroa
afoga o Parnaíba

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

A NUDEZ DA YONÁ*


Daniel Cariello**

Ali pelos meus 11 anos, descobri a puberdade e as revistinhas de sacanagem (N.R.: Jovem, não havia ainda internet e muito menos o XVideos. A vida era mais dura, se é que você me entende). Na minha cabeça, tudo aconteceu ao mesmo tempo, em uma explosão de hormônios iniciada quando o primeiro exemplar desses gibis eróticos caiu no meu colo (ops!), trazido pelo Wagner, cujo pai possuía uma banca de revistas usadas, paraíso do pornô impresso.
Durante boa parte da minha adolescência, Wagner teve o papel de fornecer o enredo - ou o enredo de fornecer o papel, você decide a melhor construção - das minhas fantasias eróticas. Usava sempre a mesma estratégia: chegava com uma Bizz antiga recheada de diversos exemplares de magazines libidinosos, que eram os primeiros a serem devorados. A Bizz, dedicada à música, era lida depois. Uma espécie de cigarro pós-coito.
Nessa época, passava na TV a novela Roque Santeiro. Um boato na escola, provavelmente espalhado pelo André Bolinha, garantia que às 4 da manhã a Rede Globo exibia as cenas proibidas do folhetim, com os atores fazendo sexo de verdade. De verdade! No dia seguinte, é óbvio, eu me levantei às 3h55 e liguei a televisão da sala, sintonizando aqueles chuviscos que passavam enquanto a programação não entrava no ar. As cenas surgiriam ali, sem aviso prévio, juravam os colegas. Lutei contra o sono cada segundo até amanhecer, a causa valia a pena, mas nada apareceu. Repeti a operação algumas vezes, sem sucesso. Fiquei frustradíssimo de não conseguir acompanhar as atuações impudicas da Patrícia Pillar, da Cássia Kiss, da Cláudia Raia, da Ísis de Oliveira e até mesmo da Yoná Magalhães, que já tinha seus 50 anos mas continuava em grande forma.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

A AÇÃO PARA A MUDANÇA – II


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira

Desenvolvimento e Mudança de Rumos


          Vimos que Democracia é o governo do povo. E, o que seria o desenvolvimento? O resultado do conhecimento humano em cada momento, em cada etapa, da caminhada do homem? Seria, esse desenvolvimento, representado pela nossa cultura? E a nossa cultura, seria o fruto das nossas descobertas, nossas pesquisas, nossas invenções, nossas ciências? O Prêmio Nobel elege, todos os anos, os que mais contribuem para a melhoria de vida do ser humano... (Porem, poucos sabem, que o seu criador e instituidor, Alfredo Nobel, foi o inventor da dinamite, que, provavelmente, arrependido de tê-la inventado, pelo mau uso que dela fizeram, quis compensar o mal causado, com um incentivo aos lutadores pela paz, por uma vida melhor da comunidade humana, aos autores de obras literárias que expressem valores positivos para a existência). As marcas do nosso desenvolvimento, do chamado progresso humano, e o uso do conhecimento adquirido, compõem um quadro de caminhos percorridos onde, para o alcance dos objetivos do poder, os fins justificam os meios, ambos, quase nunca elogiáveis... Se, descobertas e invenções foram extremamente benéficas ao prolongamento da vida humana, também foram usadas nas guerras e lutas pelo poder e pela dominação, (territorial, econômica, cultural, etc.) e suas consequências, ainda hoje, condenadas, nos discursos, bem ou mal intencionados, dos políticos do mundo inteiro: escravidão, servidão, extermínios, dizimações, mortandades, racismos, pilhagens, e todas as formas de desrespeito à vida humana. Claro, não queremos o desenvolvimento a qualquer preço, que, como a democracia, deve ser de todos, construído por todos, querido por todos. Bem sei que há formas de governo, em países “desenvolvidos”, mesmos liberais, ainda que se denominem de capitalistas, como os nórdicos, que não comungam com o estado imperialista e que assumem a responsabilidade pelo bem-estar da população desses países. Mas não será aqui o palco de discussões dessas realidades, de suas culturas, de suas histórias. Minha proposta se limita ao Brasil, como o brasileiro poderá mudar os seus rumos, a sua realidade.

SEM TÍTULO


Isaias Coelho Marques

No bolso
Fragmentos amarelados
De amores passados
Essa mão trêmula
Ainda espera teu tesouro
Perdido na ilusão do tempo

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

RIO, 42*


Daniel Cariello**

- Quer um limão?
- Mais tarde.
- A banda de Ipanema sai amanhã.
- Prefiro o Bola Preta.
- Tá doido? Esse tá cheio demais. Ano passado deu mais de um milhão.
- Sanduíche natural, olha o sanduíche.
- O sujeito abre uma lata de atum, coloca no pão e chama isso de sanduíche natural.
- Chamou, freguês?
- Chamei não.
- Quem quer empada? Empada praiana.
- Tem de frango?
- Tem, mas acabou. Sobrou palmito.
- Duas.
- Dez reais.
- Ontem era oito.
- Hoje é dez. Quer ou não?
- Dá, vai...
- Açaí, açaí.
- Domingo tem o cordão do Boi Tatá.
- Eu gosto, mas é cedo demais.
- Parece que a Teresa Cristina vai tocar.
- Ela sempre dá uma palhinha.
- Tem coco, moço?
- Geladão.
- Um bem verde, faz favor.
- Tá aqui. Pega o canudinho.
- Laranja com cenoura! Suco natural.
- Caraca, que calor!
- Ontem fez 42.
- Em Paris caiu a maior nevasca.
- Olha, vou dar um mergulho. A água tá ótima hoje.
- Quer brinco, freguesa? Sou eu mesma que faço.
- Hoje não.
- Dá só uma sacada naquele argentino com camisa do River Plate.
- Tirou a camisa. Vai entrar no mar.
- Cacete, levou o maior caldo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A AÇÃO PARA A MUDANÇA – I


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira

Amigos, depois de muito ler, muito pensar, muito analisar, muito criticar, verifiquei que as mudanças só acontecem com a ação, consciente, dos que lutam por elas, no sentido de propor uma maneira de levar ao povo ideias para o debate e o bom combate, que torne a verdadeira democracia e o desenvolvimento social o caminho a ser seguido por uma maioria, cada vez mais, consciente. Estou rabiscando algo a respeito, para saber da opinião de vocês e de como daríamos esse passo, sem nos envolvermos com a política partidária brasileira atual. Inté.
Iniciando nossa prosa...
Estou de volta para dar continuidade ao meu pensamento, submetendo-o à opinião, acréscimos, críticas, de todos vocês, quanto a sua validade, exequibilidade e viabilidade. Acho que a sua objetividade é fundamental, daí por que abandono incursões na História e na Filosofia, para me ater ao "Estado ideal", que persiga a implantação de uma verdadeira democracia e de uma política voltada, permanentemente, para o bem-estar do povo. Para tanto, necessário se torna que tal Estado seja do povo, isto é, seu Governo seja do povo, via uma representatividade escolhida livre e conscientemente pelo povo. Atrevo-me a ironizar aquela definição de democracia, "GOVERNO DO POVO, PELO POVO, E PARA O POVO, como se um governo do povo pudesse existir sem ele, fosse dirigido por ETs, e para o não povo... Como estaremos a falar da democracia brasileira, como explicar a não participação de 90% do nosso eleitorado na escolha dos candidatos a cargos executivos e legislativos do País, legalizando, ou chancelando, o "processo democrático" apenas com o voto em gente que nem conhecem direito, escolhida pelos donos dos partidos políticos existentes? Uma escolha consciente pressupõe o conhecimento da realidade brasileira, e do porque dessa realidade, um somatório das realidades de cada pessoa, de cada comunidade, de cada região, de como sobrevivemos, e o conhecimento de que essa realidade pode ser mudada, dependendo, tão somente, da escolha, que fizermos, de verdadeiros representantes de nossos desejos e esperanças... E, olhem, nem cheguei a falar de competência!
Vamos em frente!
A construção da Democracia

VÊNUS COLIDINDO COM SATURNO*


Daniel Cariello**

Eu, como bom aquariano que não nega sua racionalidade, sou descrente de horóscopo. Não sei onde está minha lua, em que quadrante se encontra Mercúrio ou se Vênus vai colidir com Saturno (e quais as consequências disso, além de uma hecatombe espacial).
No entanto, identifico-me com características atribuídas ao meu signo, talvez de tanto tentarem me imputá-las. Um dos traços mais ressaltados é a descrição dos filhos de aquário como seres solitários, e me vejo perfeitamente representado aí. Fico muito bem em minha própria companhia, adoro viajar sozinho e não me incomodo de permanecer em casa sem ver ninguém durante dias a fio.
Depois que casei e virei pai, ficou mais complicado levar essa solidão adiante. Não me queixo, que fique claro. Adoro a vida em família. Mas estou sempre tão cercado de assuntos e pessoas que já ando celebrando o momento de ir buscar um copo d’água sozinho na cozinha.
Pra desanuviar, gosto andar sem rumo pelas ruas (aquarianos precisam de espaço, pois pertencem a um signo de ar, dizem os estudiosos dessas ciências). Invariavelmente, coloco fones no ouvido. Às vezes os preencho com música. Às vezes, com silêncio. Mas os fones são a garantia que ninguém interromperá meu exílio interior voluntário.
Outro dia entrei em um café no Flamengo e pedi um expresso, tentando retomar hábito corriqueiro de quando morava em Paris. Na França, você pode comandar uma xícara da bebida e passar um dia inteiro ocupando uma mesa, lendo, escrevendo ou apenas observando tempo e pessoas passarem, e não será incomodado. Café e solidão era tudo o que eu buscava naquele momento.
O expresso chegou trazido pelo garçom, que não parava de mexer a boca. Desliguei a música que berrava em meus ouvidos e pedi pra repetir. Perguntou se precisava de algo mais. Disse não e agradeci, retornando à estridente guitarra de Bombino. Passei a alternar pequenos goles de café e longas contemplações daquele micro universo à minha volta, com a visão desfocada de qualquer ponto, embalado pela música, pelo dialeto niger, pelo ritmo tuareg, pelas melodias incomuns, pelo conjunto baixo-bateria, pelo solo distorcido, pelo garçom que se aproximou certeiro e parou à minha frente e se pôs a movimentar o maxilar enquanto me encarava como se eu tivesse dois narizes. Respirei fundo, pausei a trilha sonora e solicitei que falasse novamente.
— O café estava bom, senhor?
Olhei fixamente para ele e senti vontade de derramar um bule de água fervente pela sua goela abaixo, como punição por ter interrompido um valioso e raro momento de êxtase solitário.
Mais tarde, comentei o episódio com um amigo astrólogo amador e ele me disse que aquariano, apesar de pacífico, às vezes pode partir pra soluções violentas.
              Sorte do garçom que não acredito em horóscopo
.* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br