sexta-feira, 29 de agosto de 2014

NO DOS OUTROS, É REFRESCO


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
                Um conceituado ortopedista atendeu a um caminhoneiro, vítima de um desastre em seu caminhão, com tamanhas dedicação e competência, que seu paciente, completamente restabelecido, sempre que passava por Teresina, visitava-o, trazendo-lhe presentes, de agradecimento e de amizade...
                Um dia, chega ele no consultório de seu amigo médico para consultar-se. O médico, constrangido, diz-lhe "desculpe, meu amigo, mas sua doença precisa de um urologista, e eu sou um ortopedista!" Resposta: "não interessa, o Senhor é médico e eu só me trato se for com o senhor”! Conhecendo uma cabeça dura de longe, afinal, há quantos anos clinicava, retrucou: "pois baixe as calças, sente, ali, naquele tamborete furado, que vou lhe examinar”... Desconfiado, o bruto de um caminhoneiro, com mais de 90 kg, obedeceu ao amigo, pois amigo, é amigo...
                Quando levou a dedada, estremeceu-se todo, mas aguentou calado! Aí, falou o médico, "estou achando uma coisa muito estranha aqui dentro, que não sei explicar, vou ser obrigado a chamar um especialista, meu amigo, para saber o que você, tem e passar os remédios"... O negão arregalou os olhos, mas, não titubeou, calado continuou...
                Dito e feito, chega o novo médico, especialista de renome, e vai, logo, calçando a luva. E, tome dedada, dessa vez, vasculhando tudo o que seu dedo, comprido e meio grosso, podia alcançar! - Obrigado, Fulano, por me chamar, esse, me parece, é um caso médico raríssimo, e merece um comunicado dessa ocorrência aos órgãos de saúde públicas federais e, possivelmente, à Organização Mundial da Saúde, dado haver surgido no nordeste brasileiro. Chamarei Sicrano (outro urologista de fama), para ouvir sua opinião, e redigirmos, juntos, esse comunicado. E ligou o telefone, enquanto o pobre paciente nem água pedia...
                Chega o novo "provador", também de jaleco branco, (estavam em seus consultórios) e o dedão enluvado, que, olhado, de esguelha, pelo sem calças, parecia mais grosso que os outros, entrou onde devia, sem "tugido, nem mungido" do paciente (e haja paciência...), a não ser um pequeno pulo, para melhor acomodação naquele assento furado,
                Realizada a NOVA INSPEÇÃO, os doutores iniciaram uma conversa animada, momento em que chegou um irmão do médico amigo do caminhoneiro, que, mesmo sendo advogado, não relaxava uma camisa branca... A conversa animou mais ainda, até que o negão falou grosso "ei, você aí, vem logo meter seu dedo no meu rabo, que isso aqui é mermo do gunverno"!
                Conto esse "causo”‘ pra mostrar como o povo encarava o Governo, as amizades, o respeito, a solidariedade, e, ainda hoje, em sua grande maioria, o fazem, excluídos do processo educativo e do acesso ao conhecimento geral...

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

COLOCANDO OS PINGOS NOS III... V - A DEMOCRACIA NOSSA DE CADA DIA





Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
                A nossa legislação eleitoral, elaborada, aprovada e obedecida por nossos congressistas, estabelece o voto majoritário para as eleições do poder executivo, enquanto impõe o voto proporcional para a eleição dos candidatos a deputados federais. E, os nossos "representantes", dão o golpe final, criando o voto de legenda! Resultado, os que pensam que votam nos candidatos que julgam como os melhores, estão, na verdade, votando nos partidos políticos e elegendo quem não pretendiam, aqueles que, de maneira espúria, (quase todos), conseguiram, pelo voto de legenda, se classificarem a frente dos que tiveram mais votos que eles, mas os seus partidos não obtiveram a legenda necessária para inclui-los entre os eleitos! Ilustrando, a candidata Luciana Genro foi a mais votada para deputado federal, no RS, mas não foi eleita, por seu partido não haver obtidido os votos de legenda suficientes, conforme a legislação eleitoral...Já o Tiririca, com mais de 1.400.000 votos de protesto, que obteve em SP, levou, com ele, mais três deputados federais, que não se elegeriam, caso inexistisse o voto de legenda. Aqui, no Piauí, temos a informação do meu amigo, Luiz Brandão, do PT, que, segundo suas declarações, no Facebook, foi candidato para servir de escadinha aos seus colegas de partido...
                Pois bem, tem gente que prega que devemos votar nos melhores, mesmo sabendo que se eles estiverem em partidos pequenos (principalmente de esquerda), nunca se elegerão, por falta da suficiência eleitoral de seus partidos.
                Além de engolirmos todas essas distorções, ainda validamos essa farsa, com nosso voto, na esperança de uma mudança de representantes no Congresso, que deveriam nos servir, e, não, se servirem!
                Hoje, vésperas de eleições, falam, prometem, exigem, a Reforma Política (Incluem, aí, a reforma da legislação eleitoral) como se fossem legislar contra seus próprios interesses e os dos Partidos a que pertencem! Mais uma farsa...
                O resultado de tudo isso, é a falência dos serviços públicos, da política social, da representatividade democrática, com a comercialização da educação, da saúde, da segurança, do transporte de massa, da mobilidade urbana, da preservação do meio ambiente, que enriquece nossos conhecidos falcatruantes, em detrimento da uma população pobre, sem recursos para obter o que lhe é assegurado, gratuitamente, por nossa Constituição e pelos chamados Direitos Humanos.
                E, nós, o povo, ainda sustentamos, pagando de nossos bolsos, os que deveriam nos servir e que pregam que os culpados disso tudo somos nós mesmos, que os elegemos! (eles próprios não o dizem, abertamente, mas os seus seguidores, sim. ignorantemente ou de má-fé...).

Continua

terça-feira, 26 de agosto de 2014

O NÃO-AMOR NO DIA SEGUINTE



Isaias Coelho Marques

Não emprestarei ao dia seguinte
as cores que nunca teve

Saberei agora que a beleza rui
antes mesmo do alvorecer de teus sentidos.
Eras exatamente o não sonhado,
Eros transmudado em repulsa.

Não emprestarei ao dia seguinte
as cores que nunca teve.

Darei a ele o pulsar frio da mão.
descarnada no aviltamento de tocá-la.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

COLOCANDO OS PINGOS NOS III... IV - A DEMOCRACIA NOSSA DE CADA DIA



Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
                Permitam-me ser enfático: para mim, Governo do povo, pelo povo, para o povo, quer dizer, exatamente, que o governo é nosso, somos nós, (ou os nossos representantes), quem governa, e tem, como objetivo, o nosso bem comum. Esse entendimento da Democracia é que me leva a afirmar que, em nosso país, nosso sistema de governo, se caminha em busca desse ideal, ainda está muito longe de alcançá-lo. Explico: Temos uma "democracia representativa" em que "escolhemos" nossos representantes dos poderes executivo e legislativo, enquanto que o poder judiciário é "governado" por 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, indicados e nomeados pelo chefe do poder executivo após a aprovação de seus nomes pelo poder legislativo.
                Acontece que os "nossos" representantes se apresentam, como candidatos a nos representarem, através de partidos políticos que se formam para "nos" aglutinarem em torno de suas legendas e de seus projetos e planos de governo, "apoiando-os" e "aceitando" uma lista de nomes, apontados nas suas convenções, e nos seus congressos, que deverão concorrer à eleição, conforme o estabelecido na legislação eleitoral vigente, e nos estatutos partidários. E, aqui, inicia-se uma farsa que culmina com uma frase que justifica os maus governos, os maus governantes, e nos acusam de maus eleitores: "o povo tem o governo que merece"!
                Vejamos: o Brasil, hoje, possui cerca de 142 milhões de eleitores; filiados em 34 (!) partidos políticos, que, teoricamente, deveriam escolher os candidatos, nas eleições para o exercício de cargos executivos e legislativos, cerca de 15 milhões e 300 mil, isto é, apenas 10,6% daqueles eleitores, maiores de 16 anos... Entretanto, nas convenções partidárias (cuja principal é a municipal) a obrigação do comparecimento dos filiados, para validá-las, seria de 50% + 1(maioria absoluta), não fosse uma cláusula que permite uma segunda chamada, se aquele número não for alcançado, quando, então, poderiam ser realizadas com qualquer número! Rapidamente, aqueles 10,6% cairiam para menos de 1%, os verdadeiros e “escolhedores" dos nomes dos candidatos de seus partidos. Absurdo? Que nada, nem isso é verdadeiro, pois os nomes, a serem votados pelos convencionais já lhes são apresentados numa lista, elaborada pelos dirigentes dos partidos, que nunca são modificadas, mesmo que alguém quisesse, também, ser candidato, pois seu nome teria que ser votado pelos presentes, quase todos participantes dessa farsa "democrática” (conhecidos como "eleitores de cabresto") Mas, tem mais, e, piores são as consequências...

Continua...

domingo, 24 de agosto de 2014

COLOCANDO OS PINGOS NOS III... III - A DEMOCRACIA NOSSA DE CADA DIA (CONTINUAÇÃO) "DEMOCRACIA REPRESENTATIVA"



Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira

“Democracia - do grego: demos, que significa povo e kratein, governar”.
"A definição mais aceita é a seguinte: Governo do povo, para o povo e pelo povo!".
"Nela, o governo é exercido em função do bem comum. Visa o aperfeiçoamento de todos, dando-lhes oportunidades, favorecendo a aquisição dos meios básicos e necessários a esse aperfeiçoamento, defendendo os direitos inalienáveis do homem e facilitando-lhe o cumprimento dos deveres."
"Na democracia, o povo participa do governo pelo voto, pelo plebiscito. As Leis saem daqueles que foram escolhidos pelo povo para serem seus legítimos representantes."
"Este regime de governo não é sistema fechado e rígido. Ele se amolda conforme as necessidades e a evolução do povo".
"É por isso que dizemos que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo".
"A democracia dá igualdade de oportunidade para todos, pois são iguais perante a Lei".
"Na democracia, todos podem constituir associações para fins jurídicos, econômicos, sendo asseguradas pelo Estado. Há apoio, pelo menos moral, a toda iniciativa particular que não atende contra o bem comum".
"Nela, todos se sentem responsáveis pelo progresso e pelos fracassos, pois todos concorrem para a escolha dos governantes".
"O Estado democrático, por ter caráter mais descentralizado, procura desenvolver e aproveitar as capacidades de cada cidadão e os meios de cada região".
"A concorrência pode ser, na democracia, quando regulada por leis justas e sábias, grande fator de desenvolvimento".
"Na democracia, o governo age livremente na pauta das leis em vigor, mas o povo a fiscaliza e julga por eleições e plebiscitos".
"A democracia desenvolve, nos indivíduos, o senso da própria dignidade e responsabilidade".
"Garante melhor os direitos da pessoa humana".
"A democracia nasceu de quatro princípios vitais que a tem diferenciado sempre mais claramente no curso da história e cujo dinamismo foi definitivamente revelado nos surtos dos últimos anos".
"1º princípio - A democracia, na sua oposição ao totalitarismo, se inspira nos princípios que determinam os vários fins do estado como imutáveis e superiores a toda ideologia particular".
"Esses princípios indicados na fórmula “governo para o povo” baseiam-se na convicção comum de que os governos não existem senão em função dos direitos naturais e inalienáveis com os quais o Criador dotou o homem que nenhuma autoridade humana pode ab-rogar. Escopo do Estado é proteger e promover o bem comum do povo, assegurar por outro lado as condições sociais, materiais e espirituais que permitam integral desenvolvimento de todos os cidadãos".
"2º princípio - a democracia, na sua oposição ao autoritarismo, se inspira no princípio da soberania popular".
"Segundo esse princípio, ninguém pode apoderar-se do governo em virtude da própria força, mas sim o povo, a quem compete o bem comum, é responsável em assegurar-lhe a realização designam a autoridade responsável . Este princípio, indicado na fórmula “governo do povo” é o principal elemento genérico do regime democrático. Com base na lei natural que faz dos homens tanto seres sociais levados a constituírem-se necessariamente em sociedades para fruir do bem comum, os governos são investidos, pelo consentimento do povo, do poder de obrigar em consciência e de punir os transgressores".
"3º princípio - a democracia, na sua oposição à ditadura, se inspira nos princípios estruturais, os quais garantem a participação popular de tal sorte que o governo funcione na realidade, para o povo."
"Esses princípios indicados na fórmula “governo pelo povo” constituem a característica específica do regime democrático. Desde que cada homem é dotado de razão e chega à idade adulta com um mínimo de experiência, o povo está no grau de participar na atividade atinente ao bem comum, exprimindo a própria vontade através de seus representantes e de outros meios diretos entre os quais os mais regulares são os movimentos de opinião pública".

sábado, 23 de agosto de 2014

COLOCANDO OS PINGOS NOS iii... II - A DEMOCRACIA NOSSA DE CADA DIA


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
                
                  O ideal democrático, todos o sabemos, surgiu, na Grécia antiga, na cidade-estado de Atenas, aonde foi posto em prática um modelo de gestão com a participação dos cidadãos atenienses, que através do voto, decidiam sobre a promulgação de leis que tratassem de seus interesses capitais, nascendo, daí, a denominação democracia, governo do povo. Entretanto, àquela época, apenas pequena parte da população ateniense possuía o direito de votar, pois mulheres, escravos, e analfabetos, eram excluídos das eleições por não terem reconhecidas a sua cidadania. O elitismo grego foi alvo de críticas dos filósofos de então, e de debates e "aulas" com as classes privilegiadas, culminando com a condenação à morte de Sócrates, hoje considerado como o pai da filosofia, por não se submeter às exigências do poder dominante.
                A História nos conta, após o apogeu grego, somente no século XIII renasceram as chamas do ideal democrático, com as lutas contra a tirania e o absolutismo, que reinavam na Europa. Inglaterra e França sobressaíram-se nessas lutas, sobretudo a Revolução Francesa, que, com seu lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" empolgou a todas as nações ocidentais, e deu nova dimensão ao significado de "democracia", como o governo do povo, pelo povo e para o povo.
                Ouso dizer que, também nessa época, e como decorrência da participação popular nessas lutas da burguesia contra o poder absoluto, o conceito de cidadania ganhou nova dimensão, como o gozo, por todos, dos direitos fundamentais do homem e, por conseguinte, dos direitos constitucionais de um país.
                Como devem lembrar, a luta contra a escravidão negra foi vitoriosa no século seguinte. Entretanto, não é meu objetivo escarafunchar a História (pois não sou um pesquisador ou historiador). Dar-me-ei por satisfeito se conseguir restringir-me ao nosso Brasil
Continua.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

COLOCANDO OS PINGOS NOS iii... I- INTRODUÇÃO


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
               
             Ultimamente, de uns tempos para cá, leio e escuto, muita gente, empregando termos como democracia, estado democrático de direito, governabilidade, cidadania, participação, poder, crescimento econômico, políticas sociais, estatização, privatização, empresas públicas, empresas privadas, luta de classes, serviço público, e outros mais, no afã de defender suas ideologias e convicções, elogiando/condenando governos socialistas, comunistas, capitalistas, liberais e neoliberais, e, até, ditatoriais. A grande maioria dos que se utilizam desses termos e os introduzem em seus discursos, confundem-se e se contradizem, pois, parece, desconhecem seus significados. Alguns os utilizam de má-fé (vejam os políticos), outros, entretanto, o fazem conscientemente, na defesa de seus interesses, de sua classe (corporativismo), ou mesmo, de suas politico-ideológicas.
                Eu mesmo, muita vez, excedo-me em minhas colocações, ao condenar aqueles com cujas ideias, ou posturas, não concordo, desrespeitando o dever de não julgá-los. Confundo-os com suas falas, quando deveria, tão somente, exercer o direito de criticar e de não compactuar com suas ideias ou posturas. Porém, quando encontro alguém que despreza, ou não possui princípios éticos, não consigo me segurar e xingo pra valer... O que, aliás, além de ser um desabafo, é muito gostoso!
                Ao escrever os textos que se seguirão, não estou querendo ser um pretencioso, mas, simplesmente, usar do meu direito de expressão para tornar mais clara a minha postura diante da atual realidade brasileira e dos caminhos que surgem no nosso horizonte.

                Até amanhã.

O RAPTO DO SABIÁ.



A. J. de O. Monteiro
                Era julho de um ano qualquer no início da década de sessenta. A cidade esvaziada. Grande parte dos nossos colegas era do interior e iam para suas cidades. Outros, os mais abastados, iam para o litoral. Quem, como nós, Pingo, Perna Fina, Sete Cabeças e eu, sem essas regalias, ficávamos por aqui mesmo na modorrenta rotina de praças, banhos de rio (escondido dos pais), manhãs de sol em clubes, futebol e cinema, invariavelmente. Mas, naquele ano um fato novo veio quebrar essa rotina. Grandes cartazes foram espalhados pelos quatro cantos da cidade anunciando a breve chegada do famoso Circo Mágico Tihany. Era um circo diferente dos que até então conhecíamos. Não apresentava “shows” com animais como o Circo Garcia ou o Grande Circo Americano, os maiores que já andaram por aqui e muito diferente daqueles mambembes que, para compensar o pequeno número de atrações circenses, apresentavam cantores desconhecidos e encenavam pequenas peças tendo como atores os próprios artistas do circo. Dessas peças, me lembro, a mais encenada era “O Ébrio”, uma adaptação da famosa música de Vicente Celestino. A carga dramática do tema costumava levar o distinto público às lágrimas.
                O Tihany, anunciavam os cartazes, apresentaria coisas novas, diferentes, como o carnaval no gelo - Na verdade, um “show” de patinação com artistas bem treinados, verdadeiros dançarinos sobre patins. Trazia também o balé das águas – jatos de água coloridos, que se moviam ao som de belas valsas. Mas maior atração anunciada era o espetáculo de mágicas apresentado pelo dono do circo, um húngaro de nome impronunciável que, em razão disso, ficou conhecido mesmo com Tihany. O circo também apresentava números tradicionais, como trapézios, malabares e dança na corda entre outros. Só que com uma roupagem nova e mais sofisticada, diziam os cartazes.
                A chegada foi anunciada com um foguetório e nós acompanhamos o desfile do comboio, tendo à frente o próprio Tihany (o mágico) dirigindo um chevrolet impala – nunca um desses tinha rodado em Teresina.  Nos dias seguintes, a montagem do circo na Praça da Bandeira, foi o grande acontecimento da cidade. Ao fim, ficou imponente.
                Desde que tomamos conhecimento da vinda do circo, tratamos de juntar dinheiro para os ingressos, pois falavam que não eram muito baratos. Todo trocado que nos caía às mãos, ia para o fundo circense. Nesse período, sacrificamos picolés, sorvetes, doces e bolos. Até o cinema dominical, trocamos pelas peladas de futebol e banhos de rio nas coroas do Parnaíba.
                Por fim, o grande dia chegou. A “avant-première” foi à noite, aberta apenas para adultos e menores entre 11 e 17 anos, se acompanhados dos pais ou responsáveis. Não ligamos, queríamos mesmo era irmos sozinhos, curtir o espetáculo livremente. Afinal já não éramos mais criancinhas – assim pensávamos.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

ANJOS DA PAIXÃO


Isaias Coelho Marques

Piedade para com os fogosos
Cavalos da paixão
Seio arfante de desejos
Rivaliza com a negra morte
Noite enguia de tesão
Piedade para com os pecadores
Dados jogados não mudam a sorte
Humanos anjos caídos
Tristes vidas, solidão
Piedade, piedade, piedade...

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

DESMORRENDO SUASSUNA*




Daniel Cariello**

                Tive a sorte de ver Ariano Suassuna em sua última aparição na cidade, em abril, quando deu uma palestra na Bienal do Livro e da Leitura. Sua obra parece fazer ainda mais sentido quando se conhece o autor por trás dela. Suassuna era como os personagens de seus livros: esperto, engraçado, surpreendente. Um gênio, que, naquela noite, como em tantas outras nos últimos anos, compensava a saúde frágil com enorme agilidade nas ideias e incrível memória. As quase 1 000 pessoas presentes no auditório do Museu da República saíram de lá mais felizes, mais leves e, certamente, um pouco mais inteligentes.
                Dias depois, estava passeando no Parque Ana Lídia com minha filha Louise, de 4 anos. Após sua décima volta no foguete, quando ela já intentava embarcar para mais uma decolagem espacial, vimos um grupo teatral que se preparava para encenar uma peça. Deixamos as aventuras estelares de lado e fomos conferir.
                Chegamos bem no comecinho do espetáculo, e aquele enredo de dois matutos que tentavam a todo custo convencer um padre a fazer o enterro de um cachorro em latim a pegou de jeito. Como pegou todos que ali estavam, de todas as origens e todas as idades. Louise e eu fazíamos coro no riso solto da plateia, numerosa como em cada ocasião em que presenciei as palavras do autor, fossem ditas por ele ou por sua obra.
Divertimo-nos com o covarde Chicó, com o caricatural cangaceiro Severino de Aracaju e com aquele Jesus tão negro e tão complacente com o poder materno. Mas o que mais intrigou minha filha foi quando o protagonista João Grilo desmorreu, no final da apresentação.
— Pai, a gente pode desmorrer?
— Não. Uma vez morto, assim fica.
— Mas e o grilo falante do teatro?
— Quando nos vamos, nada sobra. Aquilo é uma história.
Há alguns dias, Louise me pegou conversando sobre Suassuna e O Auto da Compadecida. Reconheceu a narrativa e perguntou se eu falava do autor da peça a que havíamos assistido recentemente.
— É que ele morreu, minha filha.
— Pra sempre?
— Pra sempre.
                Aí, lembrei-me de seus livros e peças, de seus ensaios e poemas, do Movimento Armorial, de toda a arte de um homem que criou e contou lindas narrativas e defendeu a cultura popular até seu último dia de vida.
— Mas as histórias dele vão continuar para sempre.
— Ué, mas você disse que quando nós morremos não sobra nada.
— Sabe, Louise, pensando bem, ele tinha razão. Tem gente que pode desmorrer, sim. Ou, no caso dele, pode não morrer nunca.
*Publicado originalmente em Veja Brasília de 13/08/2014
**Leia também as crônica de Paris, escritas pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

domingo, 10 de agosto de 2014

VEM



Isaias Coelho Marques

Indo
Sempre indo
Na corda bamba
Da linha do tempo
Indo
De encontro
Ao muro escuro
Nesse meu caminho
Tão sozinho
Vem meu amor
Iluda-me
Nesse breve espaço
Enquanto vou
De passo em passo
Ao que procuro

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A GUERRA E SEUS SENHORES.



A. J. de O. Monteiro
                Acordar, ligar o rádio ou o televisor, ou ler a manchete no jornal, ou, ainda, abrir a janela e ver alguém na rua, correndo feito louco, louco de alegria gritando para quem possa ou queira ouvi-lo: “HÁ PAZ NA TERRA”! Não, não estou delirando, tão pouco transpondo a fronteira da sanidade. É que estou cansado de guerras. Cansado de ouvir, cotidianamente, vozes graves anunciando a deflagração de mais uma guerra, como se cada conflito fosse uma guerra. E não é verdade. A guerra é única, a motivação é única e os princípios são únicos. Cada conflito deflagrado em qualquer parte do mundo é fruto da mesma guerra iniciada quando o ser humano descobriu que exercer o poder sobre o outro o distinguia ante os demais.
                Da história antiga, até os dias atuais, verifica-se que a maioria dos grandes nomes da humanidade, registrados nos livros, foram guerreiros e que se fizeram “grandes” através da guerra. E foi através da guerra que os grandes impérios se formaram. Que as grandes “civilizações” se consolidaram e por ela mesma – a guerra – ruíram. Foi através da guerra que as religiões se expandiram pelo planeta e se consolidaram, levando nas pontas de suas espadas ou nas bocas de seus canhões, o nome de Deus.